
O entendimento da medicina individualizada permitiu que novas abordagens multidisciplinares e inovadoras fossem implementadas na terapêutica oncológica. Compreender de forma clara esse processo é fundamental para um modelo de cuidado que proporcione maior qualidade de vida e, possivelmente, um melhor prognóstico.
A oncologia contemporânea se concentra não apenas no tratamento farmacológico, mas também em uma terapia mais completa, na compreensão das vivências dos pacientes e seus familiares, priorizando a alocação de recursos e planejamento e prestação de cuidados holísticos que afetarão de forma mensurável a qualidade de vida. A qualidade de vida no câncer é um conceito dinâmico e multidimensional, referindo-se a todos os aspectos da vida e necessidades dos pacientes, avaliando continuamente os processos de equilíbrio entre a situação real e a situação ideal em um determinado momento. Qualidade de vida engloba um conceito subjetivo, determinado principalmente pelas necessidades individuais, crenças, valores e atitudes.1
Em comparação às terapias tradicionais de câncer, a abordagem terapêutica conhecida como imuno-oncologia oferece uma alternativa de tratamento mais eficaz para alguns pacientes com câncer. Em vez de direcionar os tratamentos diretamente para o tumor, as imunoterapias geralmente envolvem o sistema imunológico para reconhecer e erradicar as células tumorais. As principais características da terapia imunomediada incluem especificidade, amplitude de resposta e memória, contribuindo para regressões tumorais completas, muitas vezes fornecendo resultados clínicos mais duráveis e melhor qualidade de vida em relação à quimioterapia citotóxica, terapêutica direcionada molecularmente e radiação, particularmente em situações em que o paciente cursa para metástases.2
Extensas pesquisas têm aprimorado nossa compreensão da imunologia tumoral e permitido o desenvolvimento de novos tratamentos contra a doença. Com base nas evidências disponíveis, o padrão atual para o tratamento sistêmico de formas agressivas de câncer de pele não melanoma (CPNM) mudou recentemente. O conhecimento de possíveis alvos terapêuticos abriu novas perspectivas para a imunoterapia. Os inibidores de checkpoint imune (ICI) e os inibidores da via de sinalização Hedgehog agora são considerados padrão de tratamento para alguns tipos de CPNM.3
De acordo com o INCA (Instituto Nacional de Câncer), o câncer de pele não melanoma corresponde a aproximadamente 30% de todos os tumores malignos registrados no Brasil, configurando o mais frequente no país. E, embora eles não cursem, frequentemente, com metástases e óbito, as complicações adjacentes ao tratamento e o impacto da doença na qualidade de vida do paciente são aspectos relevantes e fundamentais na abordagem feita pela equipe médica.
Em 2018, surgiu um estudo do Prof. Robabeh Abedini que mensurou a qualidade de vida em pacientes com carcinoma basocelular e carcinoma espinocelular, dois tipos de câncer de pele não melanoma. Verificou-se que as sequelas das cirurgias, lesões em áreas visíveis, com ulceração, sangramento e dor, foram as consequências que mais levaram a uma redução da qualidade de vida.5
A maioria dos fatores que caracterizam prejuízo à qualidade de vida é de ordem psicoemocional. A depressão pode ocorrer em 16% a 25% dos pacientes que recebem o primeiro diagnóstico de câncer. Os prejuízos às atividades de vida diárias, autoestima, estética, função, relações pessoais, profissionais e acadêmicas são analisados como bases para a deterioração da qualidade de vida em pacientes com esse tipo de tumor.5
Dessa forma, a qualidade de vida dos pacientes tornou-se um dos principais objetivos do cuidado em oncologia.6
Um estudo qualitativo multicêntrico, baseado em 30 entrevistas semiestruturadas de pacientes com diversos tipos de câncer, mostrou relatos sobre o que lhes permitiu manter uma boa qualidade de vida diária durante o tratamento. Eles enfatizaram três aspectos diferentes:6
1) O interesse em ter – investindo em – um objeto de apoio
Os autores do estudo optaram por traduzir o francês objet d’étayage pelo termo em inglês support object. O objeto de apoio pode ser definido como um objeto, uma relação ou uma atividade em particular realizada pelos pacientes em seu dia a dia, que os faz sentir-se bem e torna o câncer e seu tratamento suportáveis.
2) A percepção subjetiva da eficácia do tratamento antitumoral também exerceu impacto positivo na qualidade de vida diária
De acordo com a pesquisa realizada, o que afetou positivamente a qualidade de vida diária dos pacientes, segundo eles, foi perceber que seu tratamento antitumoral foi eficaz. Eles tinham uma representação do tratamento do câncer como uma batalha contra a doença; o tratamento foi percebido como eficaz quando deteve a doença e ineficaz quando não o fez.
3) Os efeitos positivos dos relacionamentos
A presença de familiares e amigos próximos foi muito importante para os pacientes, para que não estivessem sozinhos e tivessem apoio durante o tratamento e em seu dia a dia. O relacionamento com o médico também foi descrito como essencial. O que ajudou, segundo os pacientes, foi o estabelecimento de uma relação de confiança com o médico, juntamente com seu envolvimento e disponibilidade. Segundo os autores, a qualidade do relacionamento parecia mais importante do que o tempo gasto com o paciente ou as informações fornecidas. Além disso, um ambiente de tratamento solidário e acolhedor – diretamente associado ao relacionamento com a equipe de saúde e, principalmente, com os enfermeiros – também apresentou efeitos positivos na qualidade de vida dos pacientes.6
Em sua prática clínica diária, os médicos enfrentam várias restrições – de tempo e carga de trabalho – que os impedem de levar em consideração o estado de saúde subjetivo de seus pacientes. Em conclusão, Sibeoni J et al sugerem que, como ponto de partida, os médicos incluam em sua prática o interesse sistemático pelo objeto de apoio que seus pacientes escolheram.7
Esse contexto é o início de uma perspectiva oncológica que incorpora psicoterapia, fisioterapia, nutrição e outras áreas assistenciais, em uma perspectiva integral, aliada a uma relação médico-paciente acolhedora e sólida.
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Kaufman HL, Atkins MB, Subedi P, et al.
The promise of Immuno-oncology: implications for defining the value of cancer treatment.
Journal for ImmunoTherapy of Cancer volume 7, Article number: 129 (2019). -
Ascierto PA, Garbe C.
Updates and new perspectives in nonmelanoma skin cancer therapy: highlights from ‘Immunotherapy Bridge’.
Immunotherapy. 2020 Feb;12(3):167-174. doi: 10.2217/imt-2020-0042. -
INCA. Instituto Nacional de Câncer.
Câncer de pele não melanoma.
Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pele-nao-melanoma#:~:text=C%C3%A2ncer%20de%20pele%20n%C3%A3o%20melanoma,-vers%C3%A3o%20para%20Profissionais&text=O%20c%C3%A2ncer%20de%20pele%20n%C3%A3o,tumores%20malignos%20registrados%20no%20pa%C3%ADs. -
Abedini R, Nasimi M, Noormohammad Pour P, Moghtadaie A, Tohidinik HR.
Quality of Life in Patients with Non-melanoma Skin Cancer: Implications for Healthcare Education Services and Supports.
J Cancer Educ. 2019;34(4):755-759. doi:10.1007/s13187-018-1368-y.
Referências