ARTIGO
O papel da equipe multidisciplinar na implementação do protocolo de TEV

Sem profilaxia adequada, a incidência de TEV durante a internação hospitalar chega a níveis tão altos quanto 10%-40%, entre pacientes clínicos e cirúrgicos, e 40%-60%, após grandes cirurgias ortopédicas.6

Dr. Pablo Braga Gusman
CRM-ES 9.002
Anestesiologista, Intensivista e Clínico da Dor. Coordenador do Programa de Residência Médica em Anestesiologia. Médico do Comitê de Qualidade e Comissão de Prevenção de Tromboembolismo Venoso do Hospital Meridional, Cariacica/ES. Research Fellowship no Hospital Pitié-Salpêtrière, Paris, França. Mestre e Doutor em Anestesiologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Botucatu/SP
O tromboembolismo venoso (TEV) compreende a trombose venosa profunda (TVP) e sua consequência com maior risco, a embolia pulmonar (EP).1,2 Desde o início de sua ocorrência, associa-se com alta probabilidade de complicações graves, até mesmo fatais.1,3
Trata-se de uma doença caracterizada pela formação de trombos, de forma oclusiva total ou parcial, em veias do sistema venoso profundo. Está frequentemente associada a inúmeros fatores de riscos, como aparecimento súbito em pacientes hígidos ou como complicação clínica e/ou cirúrgica.1,3 Como fatores etiopatogênicos incluem-se os clássicos da tríade de Virchow, já descritos em 1857, que abrangem estase venosa, alteração de fatores de coagulação, no sentido de hipercoagulação, e lesão do endotélio venoso.1,2,4 Em sua fase crônica, pode ser responsável por inúmeros casos de incapacitação física e por enormes custos socioeconômicos e pessoais, com o desenvolvimento de insuficiência venosa crônica grave, o que configura a denominada síndrome pós-trombótica.1
O TEV é considerado uma condição potencialmente grave e está associado a 5%-10% das mortes de pacientes hospitalizados.5,6 Sem profilaxia adequada, a incidência de TEV durante a internação hospitalar chega a níveis tão altos quanto 10%-40%, entre pacientes clínicos e cirúrgicos, e 40%-60%, após grandes cirurgias ortopédicas.6 A prevenção primária, com a participação de toda a equipe multiprofissional, é importante quando se consideram morbidade e custos hospitalares.1,3,6,7 Estabelecer papéis e responsabilidades específicas para cada membro do grupo de cuidadores é importante para a obtenção de melhores resultados.
A profilaxia do TEV é estratégia bem estabelecida e eficaz há algumas décadas, a partir de estudos de grupos e sociedades norte-americanos e europeus.8
Ao longo dos anos, foram definidas recomendações específicas e detalhadas a ser empregadas em todas as classes de pacientes hospitalizados, clínicos e cirúrgicos. Apesar de os protocolos de prevenção da TVP estarem à disposição de todos os profissionais da área da saúde, muitos não os utilizam rotineiramente. Isso se deve em parte à dificuldade de composição de um grupo multidisciplinar com o formato de time, focado em tarefas simples, mas eficazes na prevenção.
Cada membro deve estabelecer as metas e as ações apropriadas à sua categoria profissional. Mas é importante que as atividades sejam sinérgicas e possam ser iniciadas por todos.
O interesse profissional e institucional pela profilaxia do TEV se desenvolveu e vem sendo incorporado à prática clínica desde o primeiro consenso sobre terapia antitrombótica para prevenção e tratamento de trombose.9 Hoje, figura em importantes diretrizes e protocolos que contribuíram para a sedimentação do conceito de prevenção e para sua incorporação na prática clínico-cirúrgica.10
A associação de vários profissionais exerce um papel estratégico no plano terapêutico, devido ao cuidado dispensado ao indivíduo de forma integral e holística, o que permite direcionar a promoção, a prevenção e a recuperação da saúde e otimizar soluções para as possíveis complicações da enfermidade.7
Apesar das publicações e da adesão cada vez maior da equipe de assistência clínico-cirúrgica, ainda existem resistências à aplicação apropriada da profilaxia.1,3,7 O maior desafio à adesão é incluir a avaliação do risco na prática diária. Essa ação deve ter a participação de todos os profissionais que lidam com os pacientes à beira do leito. O processo de profilaxia do TEV se expande além das fronteiras intra-hospitalares. No preparo pré-operatório do paciente cirúrgico, as ações preventivas podem mudar o prognóstico do período pós-alta.
A associação de vários profissionais exerce um papel estratégico no plano terapêutico, devido ao cuidado dispensado ao indivíduo de forma integral e holística, o que permite direcionar a promoção, a prevenção e a recuperação da saúde e otimizar soluções para as possíveis complicações da enfermidade.7
O processo de cuidar multiprofissional deve se concentrar em tarefas distribuídas em vários passos, como realizar a avaliação e a estratificação do risco de TEV desde o período pré-hospitalar e para pacientes hospitalizados.11
O foco é obter o histórico detalhado da saúde do paciente e avaliar a presença da tríade de Virchow: estase venosa, hipercoagulabilidade e traumatismo resultante de dano intimal.11
Faz parte do processo indicar e implementar o uso de meias compressivas, conforme estratificação prévia do risco de TEV para pacientes de alto risco e contraindicação ao uso de heparina, além de avaliar diariamente a coloração da pele e a perfusão periférica dos membros sob tratamento compressivo.2,11,12
O estímulo contínuo para o posicionamento apropriado do paciente, em decúbito dorsal com elevação dos membros inferiores a 30 graus, durante os períodos intraoperatório e pós-operatório, não deve ser neglicenciado.13
Além disso, é importante ensinar e supervisionar o paciente na realização de exercícios até a total deambulação do paciente pós-cirúrgico.14
A meta de atendimento também se concentra na oferta de educação para esclarecimento da importância da adesão do paciente ao uso de métodos mecânicos de prevenção, na instrução da aplicação medicamentosa e na continuidade da profilaxia farmacológica por períodos definidos pelos protocolos reconhecidos.15
O tema tornou-se recorrente nos últimos anos não só pelo conhecimento científico, mas também devido ao envolvimento institucional e ao apoio da indústria na elaboração de programas de prevenção.
Certamente isso tem contribuído para a administração mais frequente da profilaxia, com a meta de atingirmos a avaliação de risco, o paciente específico e a dose adequada pelo tempo necessário.
Muitos hospitais, em todas as regiões federativas, passaram a instituir protocolos de prevenção de fenômenos tromboembólicos com envolvimento multiprofissional. Essa nova perspectiva organizacional tem elevado significativamente a adesão dos profissionais de saúde como um todo e trazido proposta de bons resultados.
Mas estudos mostram ainda dificuldades e discrepâncias de resultados mesmo em pacientes internados em unidades de terapia intensiva e instituições públicas e privadas.2,16
Cada membro cuidador deve reconhecer que ações comuns tornarão o processo mais coeso e com maior adesão. A atuação mútua da equipe multiprofissional e a comunicação entre todos os envolvidos nesse processo são fundamentais para atingir as metas propostas pelo grupo.
SABR.ENO.20.04.0459
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