ARTIGO

Conexão entre saúde e educação: Distrito Federal

Publicado

Mar/2020

12 min

Conexão entre saúde e educação

O artigo aborda a situação das revisões das carteirinhas de vacinação nas escolas no Distrito Federal.

Enfª Teresa Segatto

Enfermeira epidemiologista da Secretaria de Estado de Saúde do
Distrito Federal.

Revisão da carteirinha de vacinação no ato da matrícula

Vincular a matrícula na escola com a carteira de vacinação foi um meio encontrado para manter as vacinas das crianças em dia no Distrito Federal (DF). Porém, a carteira de vacinação desatualizada não pode impedir a matrícula da criança. Assim, se a carteira de vacinação estiver desatualizada, os responsáveis pela criança têm 30 dias para atualizá-la. Caso a situação não seja regularizada em 30 dias, a escola deverá comunicar o Conselho Tutelar para as devidas providências.1 

O projeto iniciou com as matrículas realizadas em 2020. A escola era responsável por comunicar aos pais a necessidade da atualização da carteira de vacinação, mas sempre de forma positiva, demonstrando o quanto a imunização é importante. Esse conteúdo elaborado pela equipe da saúde chegava aos pais via cartilhas, folhetos ou bilhetes. 

“Se a parceria tiver respaldo do governo, a própria saúde deve elaborar o documento e a escola enviar aos pais e promover seminários. Enfim, é necessário um período anterior de articulação e planejamento entre os envolvidos, ou seja, equipes de saúde, educação e comunicação”, explicou Teresa Segatto, enfermeira epidemiologista da Secretaria de Estado de Saúde do DF.

“Normalmente os pais elogiam, pois as equipes da escola e da saúde estão buscando olhar a criança e família como um todo”, continuou. Mas há situações como pais que não vacinam os filhos devido a restrições religiosas, por não aceitarem ou por discordarem da vacinação. “A esses responsáveis deve ser dado o direito de ser ouvido pela equipe, que deve contrapor as questões, mostrando os aspectos coletivos da vacinação”, ensina Segatto.

No entanto, há algumas dificuldades para cumprir essa determinação. Uma delas está relacionada à dificuldade da escola de conferir se a carteira de vacinação está em dia. “Não podemos transferir para a escola a responsabilidade de leitura da carteira de vacinação. O ideal é a conferência pela equipe da saúde”, explanou Segatto. “Muitas vezes há alterações ou mesmo atrasos nas vacinas e a configuração da carteira de vacinação muda”, continuou Teresa. “No DF, caso a escola não tenha equipe de saúde, os responsáveis devem apresentar a caderneta de vacinação na secretaria no ato da matrícula e há um período de 30 dias para apresentar a carteira com a declaração ou a assinatura da enfermeira da Unidade Básica de Saúde (UBS), informando que a vacinação está em dia. Se for criança menor de quatro anos, essa caderneta deve ser validada a cada semestre”, esclareceu a enfermeira epidemiologista.

Como a lei no DF foi sancionada em agosto de 2019, os resultados não estão disponíveis, mas a exigência da carteira de vacinação atualizada continua em 2021. Essa é uma ação de governo do DF, com gestão do gabinete do governador com as secretarias de saúde, educação e comunicação.

Vacinação em escolas     

Financiada pelo próprio governo do DF, independentemente do Programa Nacional de Imunizações do Governo Federal, a imunização contra o papilomavírus humano (HPV) foi realizada nas escolas públicas e privadas do DF para meninas nascidas entre 1º de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2002.2

Em 2012, o governo do DF decidiu pela vacinação nas escolas, sendo essencial a recomendação do governo para possibilitar a coordenação das Secretarias de Educação, da Mulher e da Saúde, apesar de o projeto ser uma iniciativa da Secretaria da Saúde. 

Segundo Teresa Segatto, ex-diretora de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Vigilância à Saúde na Secretaria de Estado de Saúde do DF, os trabalhos iniciaram-se em junho de 2012, a partir da escolha de qual imunizante seria utilizado na campanha de vacinação contra o HPV e da organização entre várias instâncias do governo, em especial com a Secretaria da Educação, para operacionalizar o projeto. 

“Como a ideia era trabalhar com todas as escolas – só as escolas públicas eram cerca de 600 –, elaborou-se um material para explicar o que é a doença, como as meninas seriam vacinadas e por que realizar essa imunização na escola”, esclareceu.

Em cada uma das 30 regiões administrativas de saúde do DF foram realizados seminários que incluíam o pessoal da educação e da saúde. Para essas reuniões, foram convidados os professores de biologia e de áreas relacionadas, profissionais do Programa Saúde na Escola, além de médicos e enfermeiros, para discussão sobre o processo de vacinação. Nesses encontros, a Secretaria de Saúde esclarecia que não haveria sobrecarga para os profissionais da educação ou mesmo para o pessoal do Programa Saúde na Escola, uma vez que a equipe da vacinação seria da saúde. “Este era um grande receio de diretores e educadores”, explicou Teresa Segatto.

Após esse treinamento, antes do final de 2012, a equipe da educação iniciou a divulgação dentro de cada escola, marcando reuniões com pais e professores. Em cada reunião, havia uma pessoa da Secretaria da Saúde para participar da discussão e tirar dúvidas. Em um primeiro momento, os pais recebiam um documento com informações sobre a importância da vacinação e o assinavam para autorizar a aplicação, pois eles não estariam na escola no momento da imunização.

A mídia, como a televisão, o jornal e o rádio, também foi bastante utilizada, além de cartazes e cartilhas que esclareciam a importância da vacinação contra o HPV. A mobilização das entidades governamentais foi geral, abraçando a causa e facilitando todo o processo.

Para viabilizar a vacinação na escola, a Regional de Saúde solicitava nome, data de nascimento, nome da mãe e endereço com telefone de cada aluna a ser vacinada. As escolas enviavam a planilha com esses dados aos núcleos de vigilância epidemiológica e imunização da Região de Saúde. Após receber os dados, a Regional realizava o agendamento, geralmente matutino e vespertino por três a cinco dias em cada instituição de ensino. Esse número de alunas a serem vacinadas definia não somente o número de doses, mas também de vacinadores, triagistas, motoristas e enfermeiros para realizar a vacinação.

“Como a equipe já sabia a quantidade de meninas que receberiam a vacina no horário agendado, dificilmente havia perda da vacina. Em caso de ausência da aluna no dia do agendamento, a dose era armazenada e o responsável poderia levar a criança à UBS para receber a dose. Como a equipe ficava mais de um dia na escola, essa situação era muito rara”, informou Teresa.

Em relação ao transporte das doses de vacina, a logística de distribuição de vacinas no DF é muito correta. “A temperatura é controlada em tempo integral, tanto na rede de frio local, quanto durante o transporte e no local ou na escola onde a vacina será aplicada. Caixa térmica, termômetro, caixa para descarte e todo o insumo necessário era transportado corretamente e verificado durante o dia. As vacinas que retornavam à Rede de Frio da Regional eram armazenadas em refrigeradores específicos, separadas de outras vacinas, para serem usadas no outro dia. As escolas não armazenavam as vacinas”, esclareceu Segatto.

Todas as doses foram registradas no Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) e digitadas no sistema de forma nominal.3

Em cada escola, a equipe da saúde montou uma sala de vacinação específica para que houvesse privacidade e para que a criança, caso se sentisse mal, pudesse se deitar. A logística era vacinar por turma. Cada equipe vacinava, em média, 400 alunas por dia. Todas as três doses foram aplicadas na escola. No total, a cobertura vacinal foi maior que 80% para as três doses, uma cobertura considerada excelente.3 “Vacinar na escola foi a melhor opção que criamos”, afirmou Teresa Segatto.

De acordo com Segatto, não houve eventos adversos graves, mas a equipe de saúde que estava na escola contava com um hospital de referência, caso esses eventos ocorressem. 

Em todo esse processo, houve um pouco de resistência em relação à adesão de pais e de algumas escolas. Em relação aos pais, houve hesitação relacionada a questões religiosas, associando a vacina ao início da vida sexual. Aos poucos, os pais entenderam a importância de prevenir o câncer de colo de útero e que a maioria das meninas estava recebendo a vacina. Houve resistência também de algumas escolas, que não queriam que o espaço escolar fosse utilizado para vacinação, mas esse item também foi esclarecido com os diretores e professores.
“Os professores eram o nosso grande elo de sucesso para a vacinação. Eles orientavam sobre a importância, acompanhavam as meninas. Enfim, sem a participação efetiva dos professores e demais membros da escola a vacinação não teria alcançado o êxito que esperávamos e conseguimos”, concluiu a epidemiologista.

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