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Protocolo de Profilaxia de TEV: Identificando Falhas

Publicado

Jun/2021

3 min

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Já foi exposto o quão complexa é a escolha de uma diretriz clínica a ser padronizada na instituição hospitalar, visto que as evidências são imperfeitas e nem todas as questões relacionadas à profilaxia de tromboembolismo venoso (TEV) são claras.

Karina Pires Pecora

COREN-SP 92838
Enfermeira pós-graduada em Terapia Intensiva Adulto pelo Centro Universitário São Camilo. MBA executivo em Saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Especialização internacional em Qualidade de Saúde e Segurança do Paciente pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa (UNL).

Dr. José Ribamar Carvalho Branco Filho

CRM-SP 61663
Médico infectologista. Fundador e Diretor Executivo do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente. MBA em gestão em saúde pela FGV. Patient Safety Executive – IHI. Especialização Internacional em Qualidade em Saúde e Segurança do Paciente ENSP - UNL - FOC. Ex-diretor clínico do Hospital São Camilo, em Santana. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Hiperbárica.

Descobrir quais partes das diretrizes não abordar é tão importante quanto identificar os aspectos que devem ser reforçados, caso contrário corre-se o risco de sobrecarregar a equipe com informações e apoio a decisões que ela não pode usar.1

As barreiras à prevenção de TEV associada à hospitalização ocorrem, em geral, devido à inércia e à resistência a mudanças nas instituições, retardando-se, assim, esse processo.1

A equipe de TEV deve tomar algumas decisões sobre a abordagem institucional no que se refere à prevenção de TEV, de maneira a permitir a padronização e a medição a fim de obter a definição comum de boas práticas. A equipe deverá estabelecer o termo profilaxia adequada para todos os pacientes elegíveis com risco de TEV, levando-se em consideração o risco de sangramento e a interrupção da profilaxia nos pacientes cirúrgicos quando isso for aceitável.1

A equipe de TEV também precisará decidir sobre o modelo de análise de risco de TEV mesmo quando não houver evidências definitivas da superioridade de um modelo sobre o outro.1

figura 1 identifica os principais pontos de fragilidade dentro do fluxo de avaliação e prevenção de TEV.1

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Figura 1. Mapa do processo de profilaxia de TEV com as áreas de falha comuns.

O modo de falha mais comum é a ausência de protocolo ou a falta de padronização da prevenção de TEV. Essa situação reflete o nível 1 na hierarquia de confiabilidade e corresponde às seguintes características:
• A análise de risco de TEV não é rotineira nem padrão;1 
• A análise de risco de sangramento não é rotineira nem padrão;2 
• E/ou há opiniões amplamente divergentes sobre o momento mais seguro de iniciar a anticoagulação perioperatória e pós-trauma e nenhuma concordância sobre os momentos de escolha adequados.1

Outro modo de falha comum ocorre quando os alertas que referenciam a prevenção de TEV são empregados, mas fornecem orientação inadequada. Uma simples lista de opções de profilaxia, por exemplo, não fornece a orientação adequada, e frequentemente são necessárias interrupções obrigatórias para concluir a análise de risco de TVP e assegurar taxas ótimas de proflaxia.1

Superar essas falhas levará a equipe ao nível 3 na hierarquia de confiabilidade, com taxa estimada de 75% de profilaxia correta da prevenção de TEV.1

Os modos de falha comuns podem incluir também os seguintes aspectos:1
• O paciente recebe a profilaxia correta, mas o risco de TEV/sangramento muda e não se faz o ajuste.
• A profilaxia é perdida ou alterada na transferência para o ambiente perioperatório.
• A profilaxia correta é solicitada, mas não administrada (ou o paciente recusa o tratamento).
• O paciente não é direcionado à deambulação precoce.
• Os fatores de risco evitáveis (como cateter venoso central) não são manejados da maneira adequada.
• A profilaxia é interrompida na alta mesmo quando o paciente tem indicação de profilaxia estendida.

Ainda para auxiliar na identificação de modos de falha, será extremamente útil identificar as causas mais frequentes de oportunidades perdidas na prevenção de TEV, os esforços desperdiçados ou duplicados, a falta de consenso sobre o processo atual, as complexidades ocultas e as oportunidades de simplificação desse processo.1

Estimar o grau de confiabilidade com que cada etapa ocorre na instituição também faz parte dessa investigação. Nas etapas com menos de 100% de confiabilidade, a equipe precisará identificar o que está errado, sempre tentando chegar à causa do problema. Isso pode revelar os passos do processo atual que não são confiáveis e levam à necessidade de novas intervenções.1

O protocolo de prevenção de TEV é uma avaliação de risco padronizada e associada a um menu de opções de profilaxia de TEV adequado a cada nível de risco que fornecerá orientações sobre o tratamento de pacientes que têm contraindicações de profilaxia farmacológica. Além disso, deve-se integrar ao protocolo as ferramentas de análise de risco de sangramento e as orientações sobre o momento de administração da profilaxia com anticoagulante durante procedimentos cirúrgicos ou outras intervenções de alto risco de sangramento.

Os protocolos definem a melhor prática em nível local com base nas melhores evidências disponíveis, além de oferecer definições operacionais para orientar o desenvolvimento de um menu de opções profiláticas, indicadores e outros aspectos do processo de melhoria da qualidade.1

O protocolo de prevenção de TEV ideal apresenta as seguintes características:1
• Detecta com precisão todos os pacientes sob risco de desenvolver trombose venosa profunda (TVP).
• Exclui de forma confiável os pacientes sem probabilidade de desenvolver TVP, minimizando o excesso de profilaxia inadequada nos pacientes de baixo risco.
• Fornece recomendações sobre mudanças relativas ao risco de TEV e de sangramento.
• Apresenta facilidade de aplicabilidade, com necessidade mínima de investigações laboratoriais ou de cálculos complexos.
• O protocolo deverá estar disponível em todos os pontos de cuidados.
• O protocolo fornece suporte de decisão aos pacientes que se beneficiariam da combinação de profilaxia mecânica e anticoagulante.
• Integra-se aos resultados da prática clínica de forma a reduzir os casos de TEV associado à hospitalização sem nenhum aumento de sangramento.
• Adapta-se à automatização e até mesmo a reavaliações dinâmicas contínuas.

As equipes de melhoria devem, obrigatoriamente, alcançar o equilíbrio entre oferecer uma boa avaliação de risco para a maioria da população de pacientes hospitalizados e manter o processo simples e eficiente para o usuário final. Quase sempre, quanto mais simples melhor, e menos é mais. A usabilidade é extremamente importante, e o sucesso ou o fracasso pode depender disso.2

É importante incluir no processo os profissionais de saúde da linha de frente para garantir que o protocolo de TEV seja fácil de usar.1

Além disso, é importante minimizar os cálculos e as entradas de dados que os usuários finais devem fazer e automatizar o processo para eles. Até mesmo o processo de marcar múltiplos fatores de risco de TEV, em um modelo de pontuação, pode tornar-se uma tarefa cansativa, que muitos profissionais vão ignorar, especialmente quando a profilaxia necessária já é evidente para eles. No caso de alguns fatores de risco ou de contraindicações, pode ser útil usar um sistema de autopreenchimento de dados baseado em outras fontes de registro. Idade, índice de massa corporal, clearance de creatinina, agentes antiagregantes plaquetários ou anticoagulantes já prescritos e contagem plaquetária são alguns exemplos de dados individuais que podem ser autopreenchidos.1

Parte do trabalho da equipe de melhoria é implementar um alto nível de confiabilidade no processo de prevenção de TEV. Para alcançar a melhoria inovadora, a equipe tem o dever de ir além dos métodos tradicionais (como checklists pessoais, esforço maior na próxima vez e educação) para desenvolver intervenções de reforço que usem pelo menos uma das seguintes estratégias para obter alto nível de confabilidade:1
• A ação desejada tem função forçada. A complementação da prevenção de TEV pode tornar-se necessária por meio do menu de opções profiláticas. A função de obrigação eletrônica ou humana garante que todo paciente internado ou transferido no hospital seja submetido a avaliação de risco de TEV.
• A ação desejada é a ação padrão (ou seja, não realizar a ação desejada requer dizer não). Apenas as opções de preferência do protocolo podem ser apresentadas aos profissionais de saúde para qualquer combinação de risco de TEV e sangramento que eles indiquem.

Podem ser feitas escolhas diferentes daquelas que estão na lista de preferência, mas o clínico deve primeiro recusá-las.

• O protocolo de deambulação e/ou mobilidade progressiva, por exemplo, pode ser o padrão a ser seguido pela fisioterapia ou pela enfermagem, exceto quando o médico oferecer novas orientações e recusar esse caminho.
• A ação desejada é sugerida por um alerta ou dispositivo de apoio à decisão. O lembrete diário para reavaliar e assegurar a necessidade do uso de cateter venoso central é um exemplo do que pode reduzir a TVP dos membros superiores e as infecções associadas ao cateter.
• A ação desejada é padronizada no processo (ou seja, esse método leva em conta os hábitos de trabalho ou os padrões de comportamento de maneira que qualquer divergência pareça estranha).

O menu de opções profiláticas padronizadas associadas à avaliação de risco é um exemplo óbvio. Medidas como pesquisar o menu de opções profiláticas já existentes que impactam a profilaxia de TEV como parte da avaliação inicial das necessidades, bem como substituir o menu de opções profiláticas desatualizadas da prevenção de TEV por outras, novas e padronizadas, podem ajudar a desencorajar os médicos a desenvolver os próprios menus de opções profiláticas e ignorar os caminhos padronizados.

• A ação desejada é programada para ocorrer em intervalos conhecidos (como integrar as avaliações de profilaxia de TVP a uma checklist maior de qualidade e segurança a ser revisada diariamente).
• As responsabilidades relativas à ação desejada são redundantes. Se os enfermeiros focassem nos pacientes ainda sem profilaxia, por exemplo, e usassem o mesmo protocolo que os médicos utilizam, essa checagem redundante da profilaxia de TEV poderia ser eficiente e útil. O alerta eletrônico pode oferecer funcionalidade similar.

Se bem desenvolvido, o protocolo de TEV será uma intervenção que reunirá diversas dessas estratégias de alto nível de confabilidade.1

Identificação de boas práticas por grupos de pacientes

1. Pacientes em condições clínicas (não cirúrgicas)

Os pacientes hospitalizados que apresentam condições clínicas não cirúrgicas, com doenças agudas e risco de trombose, são candidatos potenciais à profilaxia anticoagulante na forma de heparina de baixo peso molecular (HBPM).3

Em geral não se promove profilaxia mecânica como primeira escolha no caso de pacientes clínicos sem fatores de risco de sangramento, mas essa opção pode ser utilizada mais provavelmente em pacientes com risco de sangramento e de surgimento de coágulos. É muito provável que os pacientes com baixo risco de trombose não precisem de profilaxia mecânica nem farmacológica.3

2. Pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos (não ortopédicos)

Já o risco de TEV entre os pacientes submetidos a cirurgias não ortopédicas depende de fatores específicos desses pacientes e dos procedimentos.4

Os procedimentos de risco muito baixo ou baixo abrangem a maior parte das cirurgias que permitem alta no mesmo dia e aquelas que não envolvem procedimentos abertos de longa duração em cavidades do corpo.1

Os exemplos de cirurgias de baixo risco incluem procedimentos laparoscópicos de menos de 30 minutos de duração, apendicectomia, prostatectomia transuretral, reparo de hérnia inguinal, mastectomia e cirurgia da coluna em doença não neoplásica. Não se recomenda, de modo geral, nenhuma profilaxia de TEV no caso de pacientes submetidos a esses procedimentos, exceto quando há hospitalização durante mais de um dia e/ou caso o paciente apresente outros fatores de risco de TEV.1

No caso dos procedimentos de risco particularmente alto (~2%) de sangramento perioperatório, nos quais os sangramentos locais podem ter consequências mais graves, é possível usar inicialmente apenas a compressão pneumática intermitente (CPI) até a redução do risco de sangramento, quando se poderá adicionar a profilaxia farmacológica.1

Os exemplos são: craniotomia, cirurgia cerebral traumática, reparo de lesão da medula espinhal, trauma maior, cirurgia plástica com retalho livre e pneumectomia ou ressecção pulmonar estendida.1

Os pacientes submetidos à maioria dos demais procedimentos cirúrgicos que requerem hospitalização entram na categoria de risco moderado, inclusive aqueles que passam por procedimentos cirúrgicos gerais, cirurgia gastrointestinal não relacionada a neoplasia, procedimentos urológicos abertos e cirurgia ginecológica, assim como cirurgia vascular e reconstrutora.1

3. Pacientes submetidos a cirurgia ortopédica

As grandes cirurgias ortopédicas (artroplastia total de quadril e joelho) estão no grupo de maior risco de desenvolvimento de TEV. Recomenda-se comumente a profilaxia dual com um agente antitrombótico e um dispositivo de compressão pneumática intermitente (DCPI) durante a internação hospitalar.5

No caso dos pacientes desse grupo, deve-se promover a profilaxia durante o período mínimo de 10 a 14 dias. Além disso, recomenda-se a extensão da profilaxia por até 35 dias, o que resulta em reduções adicionais do risco de TVP.5

Na artroplastia total de quadril e de joelho, a HBPM é o agente de preferência da AT9. Na cirurgia de fratura de quadril, as escolhas de anticoagulantes são as mesmas.5

No caso de uso de HBPM na tromboprofilaxia, recomenda-se evitar a dosagem durante uma janela de 12 horas na fase pré-operatória, assim como na pós-operatória, para reduzir o risco de sangramento. Comorbidades ou fatores complicadores podem retardar o reparo da fratura de quadril. Assim, recomenda-se o início do uso de HBPM entre a internação e a cirurgia, desde que se mantenha a janela de 12 horas.5

De modo geral, a CPI é recomendada como parte do regime de profilaxia dual. Entretanto, no caso dos pacientes que têm risco de sangramento ou consideram muito importante evitar complicações hemorrágicas, sugere-se o uso de CPI como alternativa à ausência de profilaxia. O período de utilização da CPI é de 18 horas ou mais.5

4. Pacientes oncológicos hospitalizados

As diretrizes da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO, na sigla em inglês) de 2013 sobre profilaxia e tratamento de TEV em pacientes com câncer fornecem orientações destinadas a essa população.6

O TEV é uma causa considerável de mortalidade entre os pacientes com neoplasias. O risco de TEV é especialmente alto nos pacientes hospitalizados e naqueles que recebem terapia ativa. Além disso, a frequência da incidência de TEV parece aumentar entre os pacientes com câncer.6

O risco de TEV atinge o pico no período dos primeiros três a seis meses após o diagnóstico e é maior nos casos de estágio avançado e de agressividade histológica.1

Recomenda-se o uso de heparina não fracionada (HNF) ou de HBPM aos pacientes com neoplasias submetidos a intervenções cirúrgicas importantes, exceto se houver contraindicações, com início da profilaxia na fase pré-operatória. A profilaxia combinada é ideal para os pacientes de alto risco.6

Não se sugere a profilaxia mecânica como o único agente na ausência de risco de sangramento. Deve-se considerar a profilaxia de duração estendida pelo período de pelo menos sete a dez dias, abrangendo até quatro semanas no pós-operatório, se necessário, no caso dos pacientes submetidos a cirurgias abdominais ou pélvicas de câncer com características de alto risco. Enfatizam-se fortemente a educação e o engajamento dos pacientes em relação a fatores de risco, sinais e sintomas de TEV.6

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    Referências

    1. Maynard G.
      Preventing hospital-associated venous thromboembolism: a guide for effective quality improvement, 2nd ed. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality; August 2016.
      AHRQ Publication No. 16-0001-EF.

    2. Bates DW, et al.
      Ten commandments for effective clinical decision support: making the practice of evidence-based medicine a reality.
      J Am Med Inform Assoc. 2003 Nov-Dec;10(6):523-30.

    3. Kahn SR, et al.
      Prevention of VTE in nonsurgical patients: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines.
      Chest. 2012 Feb;141(2 Suppl):e195S-e226S.

    4. Gould MK, et al.
      Prevention of VTE in nonorthopedic surgical patients: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines.
      Chest. 2012 Feb;141(2 Suppl):e227S-77S.

    5. Falck-Ytter Y, et al.
      Prevention of VTE in orthopedic surgery patients: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines.
      Chest. 2012 Feb;141(2 Suppl):e278S-e325S.

    6. Lyman GH, et al.
      Venous thromboembolism prophylaxis and treatment in patients with cancer: American Society of Clinical Oncology Clinical Practice Guideline Update.
      J Clin Oncol. 2013;31(17):2189-204.