ARTIGO

Hipotireoidismo versus hipertireoidismo: como interpretar os exames de tireoide?

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Publicado

Jan/2023

8 min

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Neste artigo, abordamos a fisiologia da tireoide, os exames bioquímicos para avaliar a função tireoidiana e sua interpretação, condições patológicas que podem cursar mesmo com níveis normais de TSH e indicações para dosagem de T4 livre e anticorpos antitireoidianos.

As disfunções tireoidianas, como hipertireoidismo e hipotireoidismo, são muito comuns na população e a boa notícia é que, em geral, são facilmente manejadas.1

Nesta matéria, vamos abordar sobre a fisiologia da tireoide para entender a relevância dos exames bioquímicos e sua interpretação, além das suas indicações, utilidades e possíveis deficiências.

Fisiologia normal da tireoide

A função tireoidiana é regulada por uma relação direta entre o hipotálamo, a hipófise e a própria tireoide.1

O TRH (hormônio liberador de tireotrofina) secretado pelo hipotálamo estimula a liberação de TSH pela hipófise, que, por sua vez, regula várias etapas na produção dos hormônios tireoidianos, desde a captação de iodo até sua secreção.1

Os hormônios tireoidianos secretados encontram-se em sua maioria (aproximadamente 85%) na forma de tiroxina (T4) e, em menor quantidade, na forma de  triiodotironina (T3). Quando esses hormônios estão na circulação, uma proporção bastante elevada encontra-se ligada a proteínas (99,8%) e apenas os componentes livres (T3 e T4 livres) são capazes de se ligarem aos seus receptores.1 

Figura 1-02

Figura 1: Eixo hipotálamo-hipófise-tireóide.

(Adaptado de Sheehan MT. Clin Med Res. 2016;14(2):83-92.1)

Os hormônios tireoidianos T4 e T3, por sua vez, controlam a secreção tanto do TSH quanto do TRH por feedback negativo, mantendo os níveis fisiológicos dos hormônios do eixo hipotálamo-hipófise-tireoide.1

Embora o T4 seja produzido em maior quantidade, o hormônio ativo, ou seja, aquele que de fato executa as funções celulares, é o T3 livre. E existe uma regulação tecido-específica da conversão de T4 em T3, permitindo que cada tecido, de certa forma, autorregule a sua exposição ao T3. Por isso, o tratamento do hipotireoidismo é realizado com reposição de levotiroxina (T4), pois permite que cada tecido ajuste a conversão do T4 para os seus níveis intracelulares específicos e adequados de T3.1

Outro aspecto interessante é que pequenas mudanças nos níveis de T3 livre e/ou T4 livre resultarão em grandes mudanças nos níveis de TSH. Com isso, o TSH é considerado o marcador mais sensível da função tireoidiana.1

Avaliação do TSH

A avaliação do TSH é o teste mais útil para avaliar a função tireoidiana na maioria dos pacientes.1

Os níveis normais de TSH variam entre 0,4 mUI/mL e 4,5 mUI/mL, podendo haver pequenas diferenças de acordo com a idade, gênero, peso corporal (em pessoas que ausência de doença tiroidiana), ausência de gravidez, uso de outros hormônios e lítio.2

Tabela 1. Distribuição média e percentis 2,5 e 97,5 dos valores de TSH obtidos em 13.296 indivíduos de todas as raças e ambos os gêneros, livres de doenças tireoidianas.

Figura 3-02

(Adaptado de Sgarbi JA et al. Arq Bras Endocrinol Metab. 2013; 57(3):166-83.2)

Apesar desses serem considerados os valores dentro da faixa de normalidade, os valores mais encontrados na população estão entre 0,5 mUI/mL e 2,5 mUI/mL, que é o valor alvo no tratamento de hipotireoidismo. Assim, os valores-alvo para o manejo do hipotireoidismo se encontram nessa faixa, sendo diferentes dos valores para o diagnóstico da doença. Por exemplo, no caso de uma pessoa que já tem o diagnóstico e está em tratamento, se os níveis de TSH estiverem 4,2 mUI/mL, isso pode levar a um aumento na dose de levotiroxina. Porém, como critério para o diagnóstico, esses mesmos níveis podem não necessariamente justificar o início da terapia de reposição hormonal.1

A gravidez é a única circunstância em que é indicada o início da reposição ou ajuste da dose de levotiroxina em pacientes com níveis de TSH mais baixos.1 Os níveis de TSH considerados como limites superiores de normalidade na ausência de referências laboratoriais locais são:2

  • no primeiro trimestre: até 2,5 mU/L;
  • nos dois trimestres seguintes: até 3,5 mU/L.

Um aspecto importante a se ressaltar é relacionado à pacientes hospitalizados ou aqueles que receberam alta recentemente. Nesses casos, o TSH pode ser levemente suprimido durante a fase aguda da doença e levemente alterado durante a recuperação, retornando a níveis normais em algumas semanas.1

Em quais situações é importante solicitar dosagem de T4 livre?

A dosagem de T4 livre é o segundo teste mais solicitado para avaliar a função tireoidiana. Abaixo listamos as condições em que a dosagem de T4 livre é importante:1

Figura 4-02

Como interpretar os exames de função tireoidiana?

O esquema abaixo exemplifica como interpretar os padrões comuns dos exames de função da tireoide, assumindo um eixo hipotálamo-hipófise-tireoide intacto e a ausência de doença não tireoidiana significativa. Essas interpretações são válidas na grande maioria dos pacientes não hospitalizados.1

Figura 2. Esquema para interpretação de exames de função tireoidiana. Geralmente, no hipotireoidismo subclínico os níveis de TSH estão levemente elevados, entre 4,6 e 8,0 mUI/mL; enquanto no hipotireidismo clínico, ≥ 8,0 mUI/mL. No hipertireoidismo subclínico, em geral, os níveis de TSH não estão tão suprimidos, ficando acima 0,1 mUI/mL; enquanto no hipotireidismo clínico, os níveis estão < 0,1 mUI/mL. (Adaptado de Sheehan MT. Clin Med Res. 2016;14(2):83-92.1)

Nos casos de hipotireoidismo e hipertireoidismo subclínicos, o primeiro passo é a reavaliação ao longo do tempo, já que a maioria dos casos apresenta resolução espontânea. Entretanto, é importante orientar os pacientes sobre os sintomas e a manutenção do acompanhamento até a resolução completa, especialmente nos casos de idosos com hipotireoidismo subclínico, que merecem avaliações e manejos mais próximos.1

Quais condições podem cursar mesmo com um valor de TSH normal?

Os sinais e sintomas relacionados a distúrbios da tireoide são, em sua maioria, não específicos e altamente prevalentes na população, como:1

  • sobrepeso;
  • depressão;
  • queda de cabelo;

Muitas vezes, o paciente apresenta níveis normais de TSH nos exames bioquímicos, mas relata os sintomas listados acima com certa intensidade. Por essa razão, é importante saber quando um TSH normal não reflete um estado normal da tireoide.¹

Tabela 2: Condições que resultam em níveis de TSH normais apesar dos níveis alterados de T4 livre e sua prevalência.

(Adaptado de Sheehan MT. Clin Med Res. 2016;14(2):83-92.1)

Quando dosar anticorpos anti-tireoperoxidase (anti-TPO)?1

A tireoperoxidase é uma enzima que participa como catalisadora de várias etapas do processo de síntese do T3 e T4. A presença de anticorpos antiperoxidase (anti-TPO) é marcante em doenças autoimunes da tireoide, como tireoidite de Hashimoto e doença de Graves,  e também é altamente prevalente na tireoidite pós-parto.¹

A avaliação do anti-TPO é recomendada durante a gravidez, ou no caso de intenção de engravidar, uma vez que nessa fase é importante manter os níveis de TSH, T3 livre e T4 livre dentro dos padrões de normalidade.¹ Sendo assim, mulheres com histórico familiar de doenças da tireoide ou histórico pessoal de doenças autoimunes devem fazer a dosagem de anti-TPO antes e durante a gestação.¹

Alguns estudos também tem mostrado a eficácia do tratamento com levotiroxina em paciente eutireoideos com anti-TPO positivo em casos de aborto recorrente e infertilidade, o que faz essas situações também se tornarem indicações para a testagem dos anticorpos.¹

Conclusão 

O hipotireoidismo primário é um dos distúrbios endócrinos mais comuns na população, com sintomas extremamente inespecíficos e altamente prevalentes. Portanto, os exames dos hormônios tireoidianos são essenciais para confirmar ou descartar o diagnóstico de hipotireoidismo. O teste mais utilizado para avaliar a função tireoidiana na maioria dos é a dosagem de TSH, mas em algumas condições, verificar os níveis de T4 livre e/ou anti-TPO também é importante.¹

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    Referências

    1. Sheehan MT.
      Biochemical Testing of the Thyroid: TSH is the Best and, Oftentimes, Only Test Needed - A Review for Primary Care.
      Clin Med Res. 2016;14(2):83-92.
    2. Sgarbi JA, Teixeira PFS, Maciel LMZ, Mazeto GMFS, Vaisman M, Montenegro Junior RM, Ward LS.
      Consenso brasileiro para a abordagem clínica e tratamento do hipotireoidismo subclínico em adultos: recomendações do Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia [Internet].
      Arq Bras Endocrinol Metab. 2013; 57(3):166-83 Acesso em 22/02/2022. Disponível em:https://www.scielo.br/j/abem/a/rtN69TFwHzvnYhHR7KZq6mg/?format=pdf&lang=pt#:~:text=O%20valor%20de%20refer%C3%AAncia%20de,%2C19)%20(A).