Entrevistamos o Dr. Marcelo Bettega (CRM-SP 165319) para esclarecer algumas dúvidas sobre hábitos saudáveis e sua relação com doenças cardiovasculares, além de discutirmos o papel dos farmacêuticos na prevenção.
Marcelo Bettega
Dr. Marcelo Bettega (CRM-SP 165319 | RQE 76998/76999)
Cardiologista. Especialista em Doenças Valvares pelo InCor/Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Preceptor da residência médica e professor da pós-graduação em Cardiologia do Hospital Israelita Albert Einstein.
1) Quanto você diria que hábitos saudáveis são importantes para uma vida longa com qualidade?
Hábitos saudáveis são indispensáveis. A prática regular de exercício físico associada a medidas de combate ao estresse e ansiedade, alimentação balanceada e manter-se afastado do tabagismo são os fatores mais importantes identificados em diferentes populações e níveis socioeconômicos para proteção contra doenças cardiovasculares, como as doenças coronarianas (entupimento das artérias do coração), cerebrovascular (popular derrame ou AVC), cardíacas reumáticas e congênitas, arterial periférica e tromboembolismo venoso e pulmonar.1,2
Esse grupo de doenças é responsável por 31% das mortes ao redor do mundo, sendo a principal causa de mortalidade, com 80% dessas mortes ocorrendo em países em desenvolvimento, como o Brasil.1
A Organização Mundial de Saúde estima que mais de 75% das doenças cardiovasculares prematuras são preveníveis e que a redução nos fatores de risco pode minimizar o impacto dessas condições sobre os indivíduos e, por consequência, aos sistemas de saúde.1
Diversas diretrizes médicas são unânimes em recomendar a prática de exercício físico para reduzir o risco de problemas de saúde. Geralmente, recomenda-se que semanalmente sejam realizados:1,2
- 150 a 300 minutos de atividade física de intensidade moderada, ou
- 75 a 150 minutos de atividades intensas.
Estas recomendações devem se adequar às preferências e possibilidades do indivíduo, de modo a aumentar sua adesão. Indivíduos sedentários devem ser encorajados a realizar pelo menos atividades físicas leves ao longo do dia, e aumentar o nível de atividade gradualmente.2
A alimentação também é importante para reduzir os fatores de risco associados às doenças cardiovasculares, como colesterol alto, hipertensão arterial e diabetes mellitus.
De modo geral, as diretrizes recomendam dietas ricas em fibras, frutas e vegetais, e redução no consumo de carboidratos simples, sal, gorduras saturadas e gorduras trans (encontradas, em sua maioria, nos alimentos de origem animal e seus derivados).3
Por outro lado, o consumo moderado de gorduras insaturadas, presentes em alimentos como óleos vegetais, nozes e sementes, está associado a benefícios para a saúde.
Em um estudo, observou-se que a substituição isocalórica de gorduras saturadas (encontradas, em sua maioria, nos alimentos de origem animal e seus derivados) por gorduras insaturadas (que são, em sua maioria, de origem vegetal) ou carboidratos de grãos integrais diminui significativamente o risco de desenvolver doença coronariana (Figura 1).3,4
Hábitos para a prevenção de doenças cardiovasculares:
Cessação do tabagismo.1.2
Prática regular de exercícios físicos: pelo menos 150 min semanais de atividade física moderada.1.2
Manejo do estresse.1,2
Dieta equilibrada: aumentar o consumo de fibras e reduzir o consumo de carboidratos refinados, gorduras saturadas e sal.1,2,4
Aliar a prática de exercícios físicos à dieta equilibrada traz resultados mais consistentes.10
E além das variáveis do estilo de vida já mencionadas, vale a pena citar algumas outras que também interferem na saúde em geral:5-9
- Sono: distúrbios do sono têm diversas consequências sociais, psicológicas, econômicas e na saúde. O estilo de vida pode afetar o sono, assim como o sono tem uma clara influência na saúde mental e física.
- Comportamento sexual: uma vida sexual normal faz parte de uma vida saudável. Porém, existem alguns cuidados que precisam ser tomados a fim de se evitar gravidez indesejada ou doenças sexualmente transmissíveis.
- Abuso de medicamentos: autotratamento, compartilhamento de medicação, uso de medicamentos sem prescrição, uso de medicamentos desnecessário e falta de conhecimento de possíveis efeitos colaterais das medicações são situações que podem levar ao atraso diagnóstico, piora do quadro de base ou aparecimento de novo problema de saúde.
- Uso excessivo de mídias digitais: o uso indevido da tecnologia pode resultar em consequências desagradáveis, como a dependência de mídias sociais, aparecimento ou piora de ansiedade, lesões osteomusculares em coluna e nas mãos e piora do sono.
- Tempo de lazer: é importante conseguir se planejar para ter momentos de lazer e descanso mental durante nossas folgas e finais de semana. Chamamos esta prática de busca ativa de lazer.
- Estudo: é o exercício da alma! O estudo contribui para melhor saúde física e mental, podendo atrasar processos degenerativos neurocognitivos. Pessoas estudiosas apresentam menor índice de demência.
2) Sobre escolher entre prática de atividade física e uma dieta hipocalórica, qual das duas você recomendaria?
Tanto a atividade física como a dieta hipocalórica são recomendadas e, em conjunto, trazem resultados mais consistentes, pois seus efeitos no organismo se complementam, principalmente quando há indicação para a perda de peso.10
A perda de peso é indicada para pessoas com sobrepeso e obesidade, pois são fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e condições associadas.1,2
Com esse objetivo, a restrição de calorias, mesmo sem a prática de atividade física, é eficaz para a perda de peso a curto prazo – no entanto, sabe-se que a prática de exercícios é essencial para manter a perda de peso a médio e longo prazo.10
Além disso, o exercício físico traz diversos benefícios à saúde mental e física, como a redução do risco de desenvolver diabetes tipo 2 e redução dos índices de mortalidade e morbidade em geral.1,2,10
Um estudo publicado em 2019 mostrou que, em mulheres com obesidade, a dieta hipocalórica associada ao sedentarismo ou atividade física leve resultou em perda de peso significativa a curto prazo (12 semanas).
Entretanto, a prática de atividade física moderada ou intensa trouxe benefícios adicionais para a composição corporal: as participantes que praticaram atividades físicas moderadas (60 min de caminhada diária) ou intensas (caminhadas de 60 min + sessões de fortalecimento muscular em dias alternados) tiveram perda de peso significativamente maior em comparação com o grupo sedentário (respectivamente -10,49 e -10,10 vs -6,32 kg, p < 0,001), além de maiores perdas na porcentagem de gordura corporal, em especial para quem praticou atividades físicas intensas (Figura 2).
Além disso, esse último grupo foi o único que obteve ganho de massa muscular ao final de 6 meses, o que indica que a prática de atividades aeróbicas associadas ao fortalecimento muscular traz uma perda de peso de maior qualidade comparado com a dieta hipocalórica associada ao sedentarismo.10
3) Como os farmacêuticos podem ajudar no monitoramento dos principais parâmetros de saúde?
Muitas vezes, os farmacêuticos são os profissionais de saúde com relacionamento mais próximo da população, especialmente em casos em que há dificuldade de acesso a serviços de saúde primária e médicos.11,12
Esse fácil acesso aos farmacêuticos pode ser um dos motivos pelos quais diversos estudos mostram que intervenções em saúde envolvendo esses profissionais podem ajudar na prevenção e manejo de condições como diabetes, dislipidemia, hipertensão e doenças cardiovasculares.11
O cuidado farmacêutico é um modelo de prática da farmácia clínica que estabelece a provisão de serviços farmacêuticos ao paciente, à família e à comunidade, de modo a prevenir e manejar problemas de saúde. No contexto de prevenção de doenças cardiovasculares, podemos destacar os serviços de educação em saúde e rastreamento em saúde.12
A educação em saúde é um serviço que visa à promoção da autonomia e responsabilidade dos indivíduos com sua própria saúde. Com isso, o profissional pode atuar informando os indivíduos quanto às doenças, seus riscos e como preveni-las, destacando, por exemplo, a importância de hábitos saudáveis e mudanças no estilo de vida, como a cessação do tabagismo, prática de exercícios físicos e alimentação equilibrada.12
Por outro lado, o rastreamento em saúde engloba serviços como a aferição da pressão arterial e mensuração de glicemia, colesterol e triglicérides, além da aplicação de entrevistas e questionários estruturados para avaliar risco de desenvolvimento de certas doenças.12
Com esses testes, o farmacêutico pode identificar fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (por exemplo, hipertensão, diabetes ou perfil lipídico alterado), e sempre que necessário, deve encaminhar indivíduos em risco a procurarem serviços de saúde para avaliação médica, psicológica e/ou nutricional.12
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Referências