ÁUDIO

Podcast TeicoCast – Targocid: stewardship de antimicrobianos

Publicado

Set/2021

27 min

O que é stewardship de antimicrobianos? Como implantar um programa de stewardship? Qual é seu papel e seu impacto? Confira a seguir no podcast TeicoCast: stewardship de antimicrobianos, com a Dra. Sylvia Lemos Hinrichsen.

Dra. Sylvia Lemos Hinrichse
MD/PhD CRM-PE 6522
Médica infectologista. Professora titular do Departamento de Medicina Tropical da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Coordenadora da disciplina de Biossegurança e Controle de Infecções Risco Sanitário Hospitalar (UFPE). Consultora em Segurança do Paciente, Controle de Infecções – stewardship e Gestão em Saúde

 

1. O que é stewardship de antimicrobianos e qual é seu papel, assim como seu impacto, na multirresistência antimicrobiana (AMR)?

Devido à multirresistência dos microrganismos aos antimicrobianos, alguns países europeus (como a Suécia) foram pioneiros em programas de gestão de antimicrobianos com o objetivo de manter as taxas de microrganismos multirresistentes (AMR) baixas, além de proteger os antimicrobianos ainda remanescentes para as futuras gerações.1 Através de programas de stewardship de antimicrobianos, objetiva-se também aumentar a conscientização do problema com o propósito sistêmico institucional de que haja uma gestão antimicrobiana segundo indicações que promovam o benefício do indivíduo e da sociedade como um todo.1-10

2. Como implantar um Programa de Stewardship de Antimicrobianos (PSA) diante das diversas realidades existentes no Brasil, quer públicas, quer privadas?

Não é fácil a implantação de um PSA em qualquer que seja a instituição de saúde, mas isso é possível desde que exista a decisão de implantar atividades focadas num processo assistencial (público ou privado) que tenha como base padrões de eficiência compostos de: 1) linguagem comum (conhecimento básico); 2) processos comuns (definição de processos); 3) metodologia única (padronização); 4) benchmarking (controle); e 5) melhoria contínua (aprendizados).1-15  A partir dessas primeiras premissas, deverão ser definidos os produtos e os padrões de elaboração de um programa geral de controle de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) para que se possa implantar um protocolo de uso racional de antimicrobianos baseado na microbiota local/hospitalar segundo o perfil de sensibilidade e resistência dos microrganismos, especialmente nas unidades de terapia intensiva (UTIs), para que o uso empírico de antimicrobianos possa fazer parte da rotina dos prescritores.1-15 

Um protocolo de uso empírico de antimicrobianos baseado no perfil da microbiota institucional/hospitalar deverá fazer parte do programa de stewardship, que exigirá treinamentos fundamentados em experiências internacionais, embora adaptados às realidades locais.1-15

Os principais objetivos do programa de uso empírico de antimicrobianos (stewardship) deverão ser o provimento de ações preventivas para controle de IRAS com base em padrões de segurança do paciente, segundo o uso racional de antimicrobianos de acordo com a microbiota local/hospitalar, e o estabelecimento de um padrão de sensibilidade/resistência com a utilização de atividades relacionadas ao programa de controle de infecções.2,7,14 

3. Quais são os principais desafios de um PSA e como trabalhá-los para que o PSA exista?

Não existe um modelo pronto de programa de stewardship, assim como não há um padrão de composição de equipe de trabalho.16 Existem o ideal e o real, este adaptado às realidades de cada instituição/hospital.16 

O programa de stewardship de antimicrobianos, em qualquer instituição (pública ou privada), só poderá existir e avançar se houver um programa institucional de controle de IRAS em execução.2,16 Para que se possa implantar um programa de stewardship de antimicrobianos, deverão primeiro ser desenvolvidas ações preventivas de controle de IRAS com base em padrões de segurança do paciente.2,5,10,16,17

É também necessária a existência de um programa sistematizado de higienização das mãos com base em: 1) processo contínuo de educação e treinamento sobre higienização das mãos e sua importância no controle de infecções; 2) monitoramento e implementação de ações que aumentem a adesão à higienização das mãos por parte dos profissionais de saúde (multidisciplinar) e dos pacientes e familiares; 3) monitoramento dos locais de armazenamento de insumos relacionados à higienização das mãos (água e sabão e álcool em gel); e 4) monitoramento de almotolias e coletores de urina/fezes e manuseio desses por parte dos profissionais de saúde, inclusive acondicionamento e controle de validade.2,5,10,16,17

Há atividades que devem ser sistematizadas no controle de infecções relacionadas ao ambiente: 1) avaliação de riscos de processos infecciosos relacionados a obras, construções, ambiente e resíduos; 2) monitoramento de obras e reformas segundo legislações e conceitos de biossegurança na instituição e em terceiros relacionados à assistência ao paciente; 3) identificação e monitoramento de surtos de infecções relacionados a construções e obras, ambiente (limpeza e desinfecção) e resíduos; e 4) monitoramento e treinamento sobre resíduos gerados por obras e outros e sobre o destino final desses.2,5,10,16,17 

Também deverá ser implantado e implementado na instituição um programa de segurança do paciente com foco no gerenciamento de riscos clínicos e não clínicos que tenha como base a qualidade assistencial prestada segundo: 1) captura de eventos adversos através de busca ativa, passiva e sentinela em toda a instituição/outros; 2) identificação e classificação de eventos capturados segundo a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) relacionados ao grau de dano; 3) identificação de eventos do tipo quase-falha (near miss) e/ou repetidos com danos aos pacientes; e 4) análise da causa-raiz de eventos graves e sentinela segundo padrões de diagrama de causa e efeito para que exista na instituição/hospital um pensamento crítico atuante entre as equipes multidisciplinares.2,5,10,16,17 Daí a importância de conhecer os padrões de ensino e aprendizado entre professor/facilitador, do tipo: 1) instrução (ensinaram); 2) construção (aprendi); e 3) coconstrução (o que foi trabalhado com as equipes).2,5,10,16,17

4. Quais são os principais indicadores que um PSA pode fornecer ao monitoramento do uso de antimicrobianos e do controle da multirresistência antimicrobiana?

A implantação da cultura de indicadores é também muito importante, especialmente os indicadores de IRAS segundo padrões cientificamente conhecidos e validados, que deverão ter análises de impacto no médio e no longo prazo, com base em: 1) indicação adequada (que defina se é infecção/colonização); 2) uso do medicamento adequado (tipo de microrganismo [Gram-negativo ou Gram-positivo, fungo ou anaeróbico]); 3) uso do medicamento que atenda ao protocolo empírico institucional; 4) via de administração correta (IV/VO/outra); 5) duração adequada (período menor que 5 a 7 dias para fins terapêuticos/profiláticos e/ou dose única (de 24 a 48 horas); e 6) ajuste após cultura (sensibilidade/resistência) e descalonamento.2,5

Um indicador estratégico de stewardship que precisa ser construído e implantado, mas apresenta dificuldades e exige a participação de um farmacêutico clínico focado no uso de antimicrobianos, como o programa prevê, é a DDD (dose diária definida), obtida através de: 1) quantidade total do medicamento consumido (em UI ou g) no período considerado; e 2) DDD estabelecida para o medicamento que obedece à tabela do Nordic Council on Medicines.18

É também importante o monitoramento de farmacocinética e farmacodinâmica (PK/PD) dos medicamentos, em específico dos antibióticos, conceitos inicialmente identificados na década de 1940 e de 1950 por Harry Eagle através de experiências realizadas em roedores, quando ele identificou o padrão dependente do tempo na atividade bactericida da penicilina.19 Esses conceitos de farmacodinâmica, ao longo do tempo, muito têm contribuído para: 1) o estabelecimento de novos regimes de dosagem ótima de medicamentos disponíveis; 2) o desenvolvimento de novos antimicrobianos e de novas formulações; 3) o estabelecimento de pontos de interrupção (breakpoints) de suscetibilidade; e 4) a formulação de diretrizes sobre terapias empíricas em processos infecciosos.19,20 A farmacocinética (PK) estuda o metabolismo da droga no organismo e correlaciona a concentração da droga com seu efeito farmacológico ou sua eficácia clínica.20 A farmacodinâmica (PD) avalia o nível de absorção, a distribuição, o metabolismo e a excreção da droga determinando a dose requerida para que se atinja o nível adequado no local da infecção.20

5. Quais serão os impactos da pandemia de COVID-19 na AMR e o que será preciso fazer para minimizar esses impactos?

Não sabemos ainda, mas baseados em premissas existentes sobre a AMR podemos prever que o futuro não será fácil. 

Sabe-se quanto os antimicrobianos são de extrema importância em todos os campos da saúde, que seu desenvolvimento tem sido associado a significativas reduções da mortalidade por doenças transmissíveis e que, ao longo do tempo, eles vêm proporcionando avanços tecnológicos na terapia de câncer e em transplantes e cirurgias, entre outros.1,2 Mas, na prática, o uso não gerenciado e às vezes indiscriminado e/ou o não abastecimento de novos antimicrobianos, como também o aumento global da resistência antimicrobiana, têm-se constituído em um problema em todo o mundo, com grande impacto na saúde das pessoas.1-

Dessa forma, é urgente que haja programas de administração de antimicrobianos (AMS, na sigla em inglês) com o objetivo de proteger os antimicrobianos ainda remanescentes para as futuras gerações.1 É também fundamental que exista a conscientização do problema com o objetivo sistêmico institucional de que haja uma gestão antimicrobiana segundo indicações que promovam o benefício do indivíduo e da sociedade como um todo,1-10 especialmente nestes tempos de pandemia de COVID-19. Vamos ter que observar. 

Compartilhar

    Referências

    1. Dixon J, Duncan CJA.
      Importance of antimicrobial stewardship to the English National Health Service.
      Infect Drug Resist. 2014;7:145-52.

    2. Nathwani D, Sneddon J.
      Practical guide to antimicrobial stewardship in hospitals, 2013 [acesso em 17 jan 2017].
      Disponível em: http://bsac.org.uk/wp-content/uploads/2013/07/Stewardship-Booklet-Practical-Guide-to-Antimicrobial-Stewardship-in-Hospitals.pdf.

    3. Trivedi KK, Dumarti C, Gilchrist M, Wade P, Howard P.
      Identifying best practices across three countries: hospital antimicrobial stewardship in the United Kingdom, France, and The United States.
      Clin Infect Dis. 2014;59(Suppl 3):S170-8.

    4. Gilchrist M, Wade P, Ashiru-Oredope D, Howard P, Sneddon J, Whitney L, et al.
      Antimicrobial stewardship from policy to practice: experiences from UK antimicrobial pharmacists.
      Infect Dis Ther. 2015;4(Suppl 1):51-64.

    5. Pulcini C, Binda F, Lamkang AS, Trett A, Charani E, Goff DA, et al.
      Developing core elements and checklist items for global hospital antimicrobial stewardship programmes: a consensus approach.
      Clin Microbiol Infect. 2019;25(1):20-5.

    6. Centers for Disease Control and Prevention − CDC.
      The core elements of hospital antibiotic stewardship programs: 2019 [acesso em 23 abr 2021].
      Disponível em: https://www.cdc.gov/antibiotic-use/healthcare/pdfs/hospital-core-elements-H.pdf.

    7. Brink AJ, Messina AP, Feldman C, Richards GA, Becker PJ, Goff DA, et al.
      Antimicrobial stewardship across 47 South African hospitals: an implementation study.
      Lancet Infect Dis. 2016;16(9):1017-25.

    8. Moran J, D’Angeli M, Kauber K.
      Jump start stewardship: implementing antimicrobial stewardship in a small, rural hospital, 2016 [acesso em 23 abr 2021].
      Disponível em: http://www.doh.wa.gov/Portals/1/Documents/5600/JumpstartStewardshipWorkbook.pdf.

    9. File TM Jr, Srinivasan A, Bartlett JG.
      Antimicrobial stewardship: importance for patient and public health.
      Clin Infect Dis. 2014;59(Suppl 3):S93-6.

    10. Drew RH.
      Antimicrobial stewardship programs: how to start and steer a successful program.
      J Manag Care Pharm. 2009;15(2 Suppl):S18-23.

    11. Silva DM, Menezes EM,Silva EV, Lamounier TAC.
      Prevalência e perfil de suscetibilidade aos antimicrobianos de bactérias do grupo ESKAPE no Distrito Federal, Brasil.
      J Bras Patol Med Lab. 2017;53(4):240-5.

    12. Santajit S, Indrawattana N.
      Mechanisms of antimicrobial resistance in ESKAPE pathogens.
      Biomed Res Int. 2016;2016:2475067.

    13. World Health Organization – WHO.
      Antimicrobial resistance: global report on surveillance, 2014 [acesso em 24 jan 2017].
      Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/112642/1/9789241564748_eng.p df?ua=1.

    14. World Health Organization – WHO.
      The rational use of drugs. Report of the Conference of Experts Nairobi, 25-29 november 1985.
      Geneve: World Health Organization; 1986.

    15. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.
      Programa nacional de prevenção e controle de infecções relacionadas à assistência à saúde (2016-2020), 2016 [acesso em 18 jan 2021].
      Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33852/3074175/PNPCIRAS+2016-2020/f3eb5d51-616c-49fa-8003-0dcb8604e7d9.

    16. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.
      Diretriz nacional para elaboração de programa de gerenciamento do uso de antimicrobianos em serviços de saúde, 2017 [acesso em 7 mai 2021].
      Disponível em: https://www.ccih.med.br/wp-content/uploads/2018/01/Diretriz-Nacional-para-Elabora%C3%A7%C3%A3o-de-Programa-de-Gerenciamento-do-Uso-de-Antimicrobianos-em-Servi%C3%A7os-de-Sa%C3%BAde.pdf.

    17. European Centre for Disease Prevention and Control – ECDC.
      Point prevalence survey of healthcare-associated infections and antimicrobial use in European acute care hospitals.
      Protocol version 5.3. ECDC PPS 2016–2017, 2016 [acesso em 20 abr 2021]. Disponível em: https://www.ecdc.europa.eu/sites/default/files/media/en/publications/Publications/PPS-HAI-antimicrobial-use-EU-acute-care-hospitals-V5-3.pdf.

    18. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.
      Uso racional de antimicrobianos e a resistência microbiana, 2008 [acesso em 20 abr 2021].

    19. Ambrose PG, Bhavnani SM, Rubino CM, Louie A, Gumbo T, Forrest A, et al.
      Pharmacokinetics-pharmacodynamics of antimicrobial therapy: it's not just for mice anymore.
      Clin Infect Dis. 2007;44(1):79-86.

    20. Levison ME, Levison JH.
      Pharmacokinetics and pharmacodynamics of antibacterial agents.
      Infect Dis Clin North Am. 2009;23(4):791-815.