ARTIGO

Alta prevalência de tromboembolismo venoso assintomático precoce em pacientes hospitalizados com COVID‑19 e anticoagulados em enfermarias gerais.

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Publicado

Set/2020

10 min

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Esta matéria traz dados sobre a prevalência de tromboembolismo venoso assintomático precoce em pacientes hospitalizados com COVID-19, ressaltando a necessidade da triagem sistemática e da profilaxia individualizada precoces.

INTRODUÇÃO 

Publicações recentes sugerem uma alta incidência de tromboembolismo venoso (TEV) em pacientes com COVID-19 hospitalizados em unidades de terapia intensiva (UTI), apesar da realização da tromboprofilaxia farmacológica de rotina. Este perfil trombótico está associado à ativação da coagulação sistêmica e a fatores de risco do TEV cumulativos, como obesidade, imobilização, inflamação, dentre outros. A ocorrência do TEV foi correlacionada à maior gravidade da COVID-19, aumentando em 5 vezes o risco de morte por qualquer causa nos pacientes admitidos na UTI. A prevalência da trombose venosa profunda (TVP) sintomática em pacientes em UTI parece ser baixa, porém altas taxas de TVP assintomática foram relatadas. Entretanto, pouco é sabido sobre a verdadeira prevalência do TEV em pacientes hospitalizados em enfermarias gerais, apresentando formas menos graves da COVID-19. O conhecimento preciso da epidemiologia do TEV neste cenário é importante para a tomada de decisão com relação à tromboprofilaxia. Neste sentido, o objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência da TVP assintomática em pacientes com COVID-19 recentemente hospitalizados em enfermarias gerais.1

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MÉTODOS

Desde o início de abril de 2020, exames com ultrassom doppler completo (UDC) foram realizados rotineiramente como procedimento padrão na admissão de pacientes na unidade de enfermaria geral do Hospital Universitário Avicenne, na França, independentemente de fatores de risco de TEV e níveis de dímero-D. Neste estudo, foram revisados retrospectivamente os prontuários de 42 pacientes que se beneficiaram da triagem sistemática de TVP com UDC no período de 8 de abril a 12 de maio de 2020.1 

O diagnóstico de COVID-19 foi confirmado por RT-PCR em amostras coletadas de swabs nasofaríngeos. Em alguns casos de RT-PCR negativo, pacientes foram considerados positivos para a COVID-19 quando as imagens de tomografia computadorizada (TC) apresentaram características típicas e os dados clínicos eram compatíveis com a doença, além de não haver nenhum diagnóstico alternativo. Exames UDC com frequência pulsada foram realizados do abdômen ao tornozelo em cada paciente e as imagens foram analisadas por dois especialistas em medicina vascular de forma independente.1 

Nos casos de suspeita de embolia pulmonar (EP), os pacientes foram submetidos à angiografia pulmonar por TC para confirmação do diagnóstico. A anticoagulação foi realizada a critério do médico assistente, que foi treinado para a aplicação de um protocolo (GIHP/GFHT), o qual sugere doses profiláticas intermediárias para pacientes obesos ou pacientes de baixo risco hospitalizados na UTI e doses terapêuticas para aqueles com ativação de coagulação significativa ou pacientes de alto risco hospitalizados na UTI.

Os dados demográficos, clínicos e laboratoriais, bem como os resultados de tratamentos, TCs e UDC de pacientes com ou sem TVP, foram extraídos dos prontuários eletrônicos até o dia 18 de maio de 2020.

RESULTADOS

Os dados clínicos e biológicos relevantes de 42 pacientes internados com pneumonia associada à COVID-19 na enfermaria geral do Hospital Universitário Avicenne foram extraídos no período entre 8 de abril e 12 de maio de 2020.1

Entre os 42 pacientes avaliados, os seguintes procedimentos foram realizados:1

  • 59,5% (n = 25) foram submetidos à tromboprofilaxia em regime padrão;
  • 23,8% (n = 10) receberam a tromboprofilaxia com dosagem intermediária;
  • 16,7% (n = 7) receberam anticoagulação com dose terapêutica.

Os pacientes com ou sem TVP estavam igualmente distribuídos entre os grupos terapêuticos.1 

Em comparação com pacientes sem TVP (34/42), os pacientes com TVP assintomáticos (8/42) eram mais velhos (77,7 ± 15,2 anos versus 61,5 ± 19,0 anos, p = 0,02) e apresentaram resultados mais críticos, tendo menores chances de receberem alta com vida. Outros dados demográficos, comorbidades ou manifestações clínicas foram semelhantes em pacientes com e sem TEV (Figura 1).1

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Figura 1. Características clínicas e biológicas dos pacientes sem e com trombose venosa profunda (TVP) assintomática avaliados no estudo. (Adaptado de Le Jeune et al. J Thromb Thrombolysis. 2020;18:1-5.1)

Características da TVP assintomático em pacientes hospitalizados com COVID-19:1

  • A prevalência foi de 19% (8/42 pacientes).
  • Metade dos casos (4/8) apresentaram TVP bilateral.
  • As veias distais foram as mais afetadas (7/8).
  • A prevalência foi alta nos primeiros dias de internação e pode estar relacionada a um mau prognóstico da doença.
  • A angiografia por TC foi realizada em 62,5% (5/8) dos pacientes e embolia pulmonar foi detectada em 4 deles (9,5%), porém apenas um caso foi associado à TVP assintomática.1

No final da coleta de dados, os pacientes apresentavam os seguintes desfechos:1

  • 2 (4,8%) pacientes morreram;
  • 3 (7,1%) foram internados na UTI;
  • 3 (7,1%) permaneceram hospitalizados;
  • 34 (81,0%) receberam alta.


No que diz respeito aos níveis de inflamação ou marcadores de coagulação (níveis mais altos antes da triagem com ultrassom doppler completo), nenhuma diferença significativa foi observada entre o grupo de pacientes com ou sem TVP.1

DISCUSSÃO

Observou-se que 19% dos pacientes com COVID-19 hospitalizados em enfermarias gerais de um centro de cuidados terciários desenvolveram TVP assintomática nas pernas em um tempo mediano de 11 dias (IQR: 8-15,7) após o início dos sintomas e 4 dias ( IQR: 2–6) após a admissão, apesar da tromboprofilaxia intra-hospitalar sistemática. Quatro casos de embolia pulmonar sintomática também ocorreram, resultando na taxa de 26% de TEV. Essa taxa é mais alta do que a normalmente encontrada em pacientes hospitalizados sem infecção, enfatizando o perfil pró-trombótico dos pacientes com COVID-19. Entretanto, não é descartável o papel do repouso no leito sem tromboprofilaxia antes da admissão nesta população de alto risco.1

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(Adaptado de Le Jeune et al. J Thromb Thrombolysis. 2020;18:1-5.1)

Em uma coorte chinesa de 81 pacientes sem anticoagulação profilática, a TVP assintomática foi diagnosticada em 25% dos casos. Em outros dois estudos recentes de pacientes anticoagulados com COVID-19 em UTI, 69% de 26 pacientes e 31% de 75 pacientes foram considerados positivos para TVP por meio da triagem sistemática.

CONCLUSÃO

A TVP assintomática pode ser considerada um marcador de gravidade clínica em pacientes com COVID-19 e não apenas um indicador de risco aumentado de embolia pulmonar fatal. Além disso, o diagnóstico de TVP assintomática levou ao início da anticoagulação terapêutica, o que pode ter prevenido a ocorrência de embolia pulmonar na maioria dos casos. A alta prevalência de TVP na coorte deste estudo argumenta contra a hipótese única de imuno-trombose in situ para embolia pulmonar na pneumonia por COVID-19, sugerindo uma provável origem tromboembólica convencional.1


A alta prevalência de TVP assintomática apoia a avaliação dos pacientes nos primeiros dias após a admissão hospitalar e a consideração individualizada do regime de tromboprofilaxia em enfermarias gerais.1

Apesar do estudo possuir algumas limitações, como o pequeno tamanho amostral, a falta de um grupo controle e sua natureza retrospectiva e unicêntrica, a alta prevalência de TVP assintomática na coorte estudada apoia uma abordagem mais sistemática para a triagem dos pacientes nos primeiros dias após a admissão e para avaliação mais individualizada do regime de tromboprofilaxia em enfermarias gerais.1


Referências

  1. Le Jeune S, Suhl J, Benainous R, et al.
    High prevalence of early asymptomatic venous thromboembolism in anticoagulated COVID‑19 patients hospitalized in general wards.
    J Thromb Thrombolysis. 2020;18:1-5.