A doença caracteriza-se como uma encefalite progressiva e aguda que apresenta aproximadamente 100% de letalidade, ou seja, depois que a doença se estabelece, dificilmente a pessoa infectada sobrevive.1
A profilaxia pré-exposição (PrEP) é altamente eficaz e recomendada para aqueles em risco de exposição, como veterinários, trabalhadores de estabelecimentos de saúde e do cuidado animal, trabalhadores de laboratório, viajantes e moradores de áreas endêmicas, guardas florestais, fazendeiros, exploradores de cavernas, entre outros.1,3
Após a exposição, a administração imediata e correta da profilaxia pós-exposição (PEP), que consiste em cuidados com a ferida, infiltração de imunoglobulina antirrábica conforme indicação e administração de vacina antirrábica, pode prevenir efetivamente o início dos sintomas e a morte.2
Reservatórios
Apenas os mamíferos transmitem e são acometidos pelo vírus da raiva.1 No mundo, os cães ainda representam 90% dos casos de exposição à raiva e são responsáveis por aproximadamente 99% das mortes humanas.3 No Brasil, caninos e felinos constituem as principais fontes de infecção nas áreas urbanas.1
No entanto, os quirópteros (morcegos) são os responsáveis pela manutenção da cadeia silvestre, e outros mamíferos, como canídeos silvestres (raposas e cachorros-do-mato), felídeos silvestres (gatos-do-mato), outros carnívoros silvestres (jaritatacas e mãos-peladas), marsupiais (gambás e saruês) e primatas (saguis), também apresentam importância epidemiológica nos ciclos enzoóticos da raiva.1
Na zona rural, a doença afeta animais de produção, como bovinos e equinos.1 A raiva é uma das doenças neurológicas mais comuns em bovinos no Brasil, causando perdas econômicas significativas.4
Epidemiologia
A raiva humana está presente em mais de 150 países e dezenas de milhares de pessoas atingidas por essa doença infecciosa morrem a cada ano em todo o mundo, principalmente na Ásia e na África.2
Aproximadamente 80% dos casos humanos ocorrem em áreas rurais, e mais de 40% das mortes por raiva ocorrem em crianças menores de 15 anos.3
No Brasil, entre 1990 e 2017, foram registrados 594 casos de raiva humana, predominantemente em ambientes urbanos. No período de 2000 a 2009, no território brasileiro, observou-se um incremento de casos de raiva humana transmitida por morcegos tanto hematófagos como insetívoros ou frugívoros.5 Destes casos, 55% foram registrados na região Nordeste e 34% na região Norte.5 (Figura 1)
Em 2017, houve um surto de raiva na comunidade ribeirinha Tapira, às margens do rio Unini, município de Barcelos, AM, com três irmãos menores de 18 anos infectados: eram moradores de área rural (reserva extrativista), com histórico de exposições a morcegos.5
Período de incubação
O período de incubação é extremamente variável. No ser humano, o período de incubação é, em média, de 45 dias, mas pode durar de dias a anos. Em crianças, o período de incubação tende a ser menor que em adultos.1
Para cada espécie de mamífero, o período de incubação é diferente, variando de 15 dias a quatro meses, exceto para os quirópteros, cujo período pode ser muito longo.1
Transmissibilidade
Nos cães e gatos, a eliminação de vírus pela saliva ocorre de dois a cinco dias antes do aparecimento dos sinais clínicos e persiste durante toda a evolução da doença. A morte do animal acontece, em média, entre cinco e sete dias após a apresentação dos sintomas.1
Ainda não se sabe ao certo sobre o período de transmissibilidade de animais silvestres. Os quirópteros podem albergar o vírus por longo período, sem sintomatologia aparente.1
Modo de transmissão
A raiva é transmitida quando a saliva do animal infectado entra em contato com a pele lesionada ou mucosa, por meio de mordida, arranhão ou lambedura do animal. O vírus atinge o sistema nervoso central (SNC), levando ao óbito, em geral, de dois a sete dias após o início dos sintomas.1
O vírus penetra no organismo, multiplica-se no ponto de inoculação, atinge o sistema nervoso periférico e, posteriormente, o SNC. A partir daí, dissemina-se para vários órgãos e glândulas salivares, onde também se replica, sendo eliminado pela saliva das pessoas ou animais enfermos. 1
Sintomas
Clinicamente, a raiva é caracterizada por consciência intermitente, hiperatividade, alucinações e hidrofobia (raiva furiosa), ou paralisia e coma (raiva paralítica), progredindo rápida e inevitavelmente para a morte.1
Inicialmente, o paciente apresenta mal-estar geral, pequeno aumento de temperatura, anorexia, cefaleia, náuseas, dor de garganta, entorpecimento, irritabilidade, inquietude e sensação de angústia. Linfoadenopatia, hiperestesia e parestesia no trajeto de nervos periféricos, próximos ao local da mordedura, bem como alterações de comportamento, podem ocorrer.1
A infecção progride, surgindo manifestações de ansiedade e hiperexcitabilidade crescentes, febre, delírios, espasmos musculares involuntários generalizados e convulsões. O paciente se mantém consciente, com período de alucinações, até a instalação de quadro comatoso e a evolução para óbito. O período de evolução do quadro clínico, depois de instalados os sinais e sintomas até o óbito, é, em geral, de dois a sete dias.1
No entanto, esse quadro pode ser evitado por profilaxia pré-exposição e pós-exposição.1
Profilaxia pré-exposição
A vacina raiva inativada provém de cultivo celular em células Vero com excelente resposta, além de ser segura e praticamente isenta de risco. Não há registro de eventos adversos neurológicos com essa vacina.1
As vantagens da profilaxia pré-exposição são a simplificação da terapia pós-exposição, já que elimina a necessidade de imunização passiva com soro antirrábico, diminui o número de doses da vacina se ocorrer um evento, e o desencadeamento mais rápido da resposta imune secundária (booster) quando a pós-exposição for iniciada.1
A profilaxia pré-exposição (PrEP) é altamente eficaz e recomendada para aqueles em risco de exposição. A vacina é indicada para pessoas com risco de exposição permanente ao vírus da raiva, durante atividades ocupacionais como veterinários, trabalhadores de estabelecimentos de saúde e do cuidado animal, trabalhadores de laboratório, viajantes e moradores de áreas endêmicas, guardas florestais, fazendeiros, exploradores de cavernas, entre outros.1,3
Esquema de profilaxia pré-exposição:
- Três doses.1
Controle sorológico (titulação de anticorpos)
- A partir do 14º dia após a última dose do esquema.1
São considerados satisfatórios títulos de anticorpos >0,5UI/mL. Em caso de título insatisfatório, isto é, <0,5 UI/mL, aplicar uma dose completa de reforço, via intramuscular, e reavaliar a partir do 14º dia após a aplicação.1 - Profissionais que realizam pré-exposição devem repetir a titulação de anticorpos com periodicidade de acordo com o risco a que estão expostos.1
- O controle sorológico é exigência indispensável para a correta avaliação do esquema de pré-exposição.1
- A dose de reforço deve ser administrada de acordo com o risco de exposição do indivíduo.1
Profilaxia pós-exposição
O Ministério da Saúde preconiza para a profilaxia de pós-exposição o esquema de quatro doses da vacina raiva (inativada) aplicada por via intramuscular ou intradérmica.1
Quando há indicação do tratamento completo, devem ser aplicadas quatro doses de vacina antirrábica.1
O soro antirrábico (SAR) e a imunoglobulina humana antirrábica (IGHAR) estão indicados para todos os acidentes graves. Pacientes que não possuem tratamento anterior ou esquema de pré-exposição devem receber o soro antirrábico no primeiro atendimento junto com a primeira dose de vacina.1
Saúde pública
Investir na eliminação da raiva salva vidas e fortalece os sistemas de saúde humana e veterinária. Envolver as comunidades para conscientizar sobre a raiva e vacinar cães para prevenir doenças humanas requer uma colaboração estreita entre os setores de saúde humana e veterinária.3
No exercício da Medicina Veterinária, o médico-veterinário é responsável tanto pela notificação de casos quanto pela avaliação dos riscos de ocorrência de animais transmitindo vírus nos ambientes urbano, rural e silvestre. Os profissionais devem estar capacitados para informar a população e identificar os sinais e sintomas e animais suspeitos, utilizando-se das ferramentas de Vigilância e Educação em Saúde.6
Como 80% dos casos de raiva humana ocorrem na zona rural, é importante conscientizar fazendeiros e trabalhadores rurais, já que a profilaxia adequada e oportuna é quase 100% eficaz na prevenção da morte por raiva.3
No Brasil, observou-se, a partir do ano de 2004, uma mudança no perfil epidemiológico da raiva em relação à transmissão de casos para os humanos: os morcegos passaram a ser o principal transmissor no país, uma vez que o controle da raiva urbana transmitida por cães e gatos teve um avanço significativo, apenas se mantendo ainda de forma esporádica em algumas áreas limitadas do país.6
Respostas médicas e veterinárias oportunas melhoram as taxas de detecção de casos e garantem o gerenciamento adequado dos casos. Investigar animais suspeitos de raiva ajuda ainda mais a prevenir mortes humanas por raiva, identificando ativamente as exposições à raiva, e pode melhorar a qualidade da vigilância em geral.3
Principais mensagens
- O controle da raiva humana é possível por meio de políticas públicas promovidas tanto em relação à vacinação dos animais quanto ao uso de profilaxia e tratamento precoce;5
- A raiva é evitada com maior conscientização e educação;3
- É prevenida por meio do controle da doença animal e por vacinação preventiva e;3
- As mortes humanas por exposição à raiva são evitadas ao se garantir o acesso equitativo e integral aos cuidados de saúde, medicamentos e vacinas.3
No Brasil, observou-se, a partir do ano de 2004, uma mudança no perfil epidemiológico da raiva em relação à transmissão de casos para os humanos: os morcegos passaram a ser o principal transmissor no país, uma vez que o controle da raiva urbana transmitida por cães e gatos teve um avanço significativo, apenas se mantendo ainda de forma esporádica em algumas áreas limitadas do país.
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Brasil. Ministério da Saúde.
Guia de Vigilância em Saúde.
Volume único. 3ª ed. 2019. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_saude_3ed.pdf. Acesso em: 16 fev. 2021. -
WHO.
Rabies.
Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/rabies Acesso em: 8 mar. 2021. -
WHO.
World Organization for animal health food and agriculture organization.
In: Global alliance for rabies control zero by 30: the global strategic plan to end human deaths from dog-mediated rabies by 2030; Geneva, 2018. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/272756/9789241513838eng.pdf?ua1 Acesso em: 16 fev. 2021. -
Mello AKM, Brumatti RC, Neves DA, Alcântara LOB, Araújo FS, Gaspar AO, et al.
Bovine rabies: economic loss and its mitigation through antirabies vaccination.
Pesq Vet Bras. 2019;39(3):179-85. -
Vargas A, Romano APM, Merchán-Hamann E.
Raiva humana no Brasil: estudo descritivo, 2000-2017.
Epidemiol Serv Saúde. 2019;28(2):e2018275. -
Conselho Federal de Medicina Veterinária.
Por que a raiva é questão de Saúde Pública?
Disponível em: https://www.cfmv.gov.br/por-que-a-raiva-e-questao-de-saude-publica/comunicacao/noticias/2020/07/22/. Acesso em 16 fev. 2021.
Referências