ARTIGO
Uso de Dupilumabe em Adolescente com dermatite atópica moderada
O uso de Dupilumabe em adolescente com dermatite atópica moderada teve um impacto muito positivo em todas as áreas da vida.
Dra. Ivonise Follador
CRM-BA 7.126 | RQE 2.858
Dermatologista. Mestre e Doutora em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduada em Psicossomática pelo Instituto Junguiano da Bahia (IJBA) e em formação para analista junguiana pelo Instituto de Psicologia Analítica da Bahia (IPA Bahia). Atual coordenadora do Departamento de Psicodermatoses da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD, gestão 2023-2024). Diretora médica e técnica da LUZ, Clínica de Dermatologia e Fototerapia Ltda. Médica dermatologista do Hospital Santa Isabel – Unidade Álvaro Lemos
Introdução
A dermatite atópica (DA) é uma doença que em cerca de 80% dos casos surge nos primeiros anos de vida, e na adolescência costuma haver remissão em 60% dos casos.1 Pode persistir ou mesmo ter início na idade adulta, variando muito essa frequência e esse comportamento em diversos países e tipos de estudo.1 Essa melhora na adolescência pode não ocorrer, assim como pode aparecer na adolescência e na vida adulta. Vamos discutir um caso de piora importante de DA no início dessa fase de transição tão importante na vida que é a adolescência. A DA é muito heterogênea, e seu diagnóstico depende de critérios clínicos bem estabelecidos, sendo bem conhecido o impacto negativo na vida do paciente e de sua família.1,2 Muitos estudos englobam crianças e adolescentes, dificultando uma abordagem específica dessa faixa etária e de suas características peculiares, físicas e psicológicas.1 A adolescência é a fase da vida entre a infância e a idade adulta e engloba elementos de crescimento biológico e grandes transições de papéis sociais.2
Uma definição mais ampla e estendida vem sendo considerada cada vez mais atualmente, aceitando- se dos 10 aos 24 anos de idade como a faixa mais apropriada para o enquadramento como adolescente e considerando-se o desenvolvimento de leis, de políticas sociais e de sistemas de serviços.3
Durante essa fase da vida há aos poucos a perda do corpo infantil e a aceitação do corpo adulto, desenvolvendo-se a autoestima e as características do indivíduo como ser independente dos pais e de todo o entorno.3 Diante desses fatos, qualquer doença tem impacto muito diferente do que acontece com a criança, principalmente quando se fala de doença cutânea, como a DA, que está à mostra, distanciando o adolescente de seu grupo e da inclusão tão desejada e favorecendo o bullying e outros problemas, além do impacto físico propriamente dito, com alteração do sono, irritabilidade, rejeição ao toque, isolamento social e muito mais.4 Muitos instrumentos são utilizados nos estudos e na prática médica para avaliar o impacto físico e a qualidade de vida (QoL) do paciente, mas se pode destacar que independentemente deles, na prática clínica, uma anamnese detalhada e uma escuta atenta do paciente e da família ajudam muito a definir a gravidade e a conduta.5
Caso clínico
Menor de 12 anos de idade, M.J.C., do gênero feminino, com diagnóstico de DA desde lactente, foi sempre tratada pela mesma pediatra naturalista e homeopata, profissional de referência na cidade, sem nunca ter utilizado corticosteroides nem antibióticos orais, apenas usos ocasionais de corticosteroides tópicos de baixa potência e uso constante de hidratantes. Uma vida toda com a pele afetada, prurido importante, distúrbio de sono, crises, fases melhores e fases piores, sempre com abordagem (que muito ajudava até então [sic]) através da homeopatia, de alimentação natural e cuidados já citados. Houve, porém, uma piora muito importante, durante o início da pandemia de COVID-19, que motivou a indicação da própria médica pediatra para que procurasse nosso serviço e orientação. O quadro cutâneo estava realmente muito extenso, quase generalizado, com lesões subagudas e crônicas (pele seca, eritema importante, descamação fina e liquenificação com áreas mais úmidas; dermografismo ausente) que passaram a atingir face, pescoço, abdome, dobras cubitais e poplíteas, além de áreas parciais do tronco anterior e posterior, assim como as extremidades. O prurido de 0 a 10 era referido como 10. Sono inquieto e irregular e lençóis sujos de sangue ao amanhecer. A menor passou a não querer frequentar piscinas, praias e certas situações sociais. Alegre e falante, colaborava nas consultas e informações, motivada nessa busca de tratamento eficaz. Tem rinite leve e nunca teve asma brônquica. Os parâmetros utilizados para cálculo de extensão e gravidade foram o EASI, calculado em 16,2, e o DLQI, que foi de 25. (Figuras 1, 2 e 3) A paciente faz terapia tanto pela separação dos pais quanto pela fobia a animais.
Exames em geral normais ou negativos, eosinófilos normais, IgE total de 2.000 unidades, Rast IgE fortemente positivo para poeira domiciliar, castanha-do-pará, epitélios de cavalo, gato e cão, camarão, os demais negativos. Diante desse quadro de moderado a grave, iniciamos a fototerapia com UVB-nb, além do tratamento tópico com hidratação, corticosteroide moderado e anti-histamínicos sedantes. A família e a pediatra não aceitavam o uso de metotrexato nem de ciclosporina por serem imunossupressores clássicos de amplo espectro e por maiores riscos, pela pandemia de COVID-19 e pela linha seguida de homeopatia e medicina natural. A melhora com a fototerapia foi muito pequena. Quadro cutâneo extenso, prurido insuportável, irritabilidade, reclusão social, portanto iniciamos a conversa sobre o uso de dupilumabe, pois precisávamos da aceitação de ambos os pais e da pediatra. O dupilumabe foi introduzido em 07-12-2020 na dose de 600 mg (duas ampola) na semana 0, depois 300 mg (uma ampola) a cada duas semanas, com melhora gradual. A dose foi a de adulto por a adolescente ter mais de 60 kg. A paciente apresenta melhora de 90% do quadro atualmente, persistindo apenas algumas dobras liquenificadas e períodos curtos de agudização nesses locais, com prurido e eritema. A QoL da paciente melhorou muito, seu sono tem qualidade e sem nenhuma intercorrência. O EASI, na última consulta, estava em 2,3, atingindo-se o EASI-75 e o EASI-90. O DLQI baixou para praticamente zero. (Figuras 4, 5 e 6)
Discussão
A abordagem do adolescente é bem diferente da abordagem da criança, assim como do adulto, pois é importante deixar que o próprio paciente participe da decisão, bem como os pais e o pediatra. Entramos, assim, em um consenso sobre o melhor caminho, dentro da medicina baseada em evidências e na experiência, assim como dentro da individualização do caso. É muito importante incluir o adolescente no processo, antes de tudo ouvir sobre seus sintomas, seus medos e expectativas. Os pais recusaram o uso do metotrexato e da ciclosporina, considerando o poder imunossupressor mais inespecífico dos mesmos e o período de pandemia Covid19. O uso do dupilumabe ocorreu sem dificuldades e os resultados foram excelentes, sem efeitos colaterais e com grande ganho de QoL para a paciente.6,7
Estima-se que a prevalência de DA entre adolescentes (de 13 a 17 anos de idade) varie de 0,2% a 24,6% em todo o mundo e de 7,0% a 8,6% nos Estados Unidos.7 Também segundo estimativas, em até um terço desses adolescentes a doença é moderada, envolve maior risco de comorbidades atópicas e tem maior peso na vida do adolescente como um todo.7 O prurido, a perda de sono e a natureza crônica e de recaídas da DA afetam negativamente a QoL dos pacientes e dos membros da família.7 A DA nos adolescentes está associada a menor desempenho na escola, dificuldades na formação de relações sociais e na participação em esportes, bem como a aumento das taxas de ansiedade, depressão e ideação suicida.7-12
O dupilumabe é um anticorpo monoclonal IgG4 que reduz a inflamação do tipo 2 bloqueando a subunidade do receptor de interleucina (IL-4 e IL-13) e inibindo assim a sinalização de ambas as citocinas.7 As citocinas IL-4 e IL-13 são mediadores-chave de doenças do tipo 2, inclusive a DA e as doenças atópicas associadas (p. ex. asma, rinite alérgica, alergias alimentares, rinossinusite crônica com pólipos nasais e esofagite eosinofílica).7 O dupilumabe é o primeiro imunobiológico que aborda eficazmente a fisiopatologia das doenças alérgicas TH2, combinando eficácia terapêutica com baixa incidência de eventos adversos.8 Tem potencialmente múltiplos locais de ação, bloqueando a diferenciação celular TH2, a produção de IgE por células B, a ativação alternativa do macrófago e outros marcadores de doenças inflamatórias alérgicas.8 Além disso, pode agir sobre o endotélio vascular para reduzir potencialmente o tráfico celular em tecidos inflamados e atenuar as fugas vasculares associadas à anafilaxia.8 O espectro de ação do dupilumabe em diversos distúrbios alérgicos e sua capacidade de impactar diferencialmente as vias de sinalização IL-4 e IL-13 nos tecidos linfoides e não linfoides leva à expansão do potencial de bloqueio IL-4R no tratamento de distúrbios inflamatórios celulares TH2.7,8 No Brasil, o dupilumabe hoje é aprovado para o tratamento da dermatite atópica em adultos, adolescentes e crianças de 6 meses a 11 anos de idade; asma, em adultos, adolescentes e crianças de 6 meses a 11 anos de idade; rinossinusite crônica com pólipos nasais e prurigo nodular em adultos e esofagite eosinofílica em crianças a partir dos 12 anos de idade e adultos.13
A DA no adolescente tem aspectos especiais e peculiares, considerando-se os diversos fatores citados acima, e por isso mesmo necessita-se de estudos dirigidos a essa faixa etária. Um ensaio clínico aleatório, duplo-cego, paralelo, de fase 3, foi realizado em 45 centros americanos e canadenses entre 21 de março de 2017 e 5 de junho de 2018.7 Um total de 251 adolescentes com DA moderada ou grave e controle inadequado com medicamentos tópicos ou para os quais a terapêutica tópica era insuficiente foi incluído.7 Um total de 240 pacientes (95,6%) completou o estudo, o que demonstra excelente adesão e pouca perda por abandono ou efeito colateral.7 A proporção de pacientes com melhora do EASI-75 desde o início do estudo foi de 41,5% com o uso a cada duas semanas, de 38,1% a cada quatro semanas e de 8,2% com placebo, e houve diferenças importantes e estatisticamente significativas em relação a placebo.7 Na extensão aberta do estudo LIBERTY com adolescentes (LIBERTY AD PED-OLE) adolescentes com dermatite atópica moderada a grave que participaram de estudos anteriores com dupilumabe foram mantidos no tratamento.14 média de idade foi de 14,7 anos e foram analisados 294 pacientes. Após 52 semanas, não foram relatados novos achados de segurança, com eventos adversos relacionados ao tratamento apenas leve a moderados e alinhados ao perfil já conhecido do medicamento.14 Os resultados mostraram um benefício crescente com a continuação do tratamento.14 A segurança e eficácia do dupilumabe foram também confirmadas em estudo recente de mundo real.15
O efeito colateral do dupilumabe mais frequente é a conjuntivite, o que não costuma ocorrer nos ensaios clínicos sobre as outras doenças com o mesmo medicamento, como asma, polipose nasal e esofagite eosinofílica.16 Maior incidência de conjuntivite em pacientes com DA tratados com dupilumabe parece estar associada a vários fatores baseados na doença, inclusive a gravidade da DA de base e o histórico anterior de conjuntivite.16 Na maioria dos casos, as conjuntivites são relatadas como leves ou moderadas.16,17
A paciente em discussão não apresentou conjuntivite; ela continua em uso de dupilumabe até momento atual, mantendo excelente resposta. Neste caso apresentamos uma adolescente que tinha DA de moderada a grave com forte impacto negativo em sua QoL. Não apresentou nenhum efeito colateral até o momento e faz uso da medicação há 20 meses. O resultado do tratamento com dupilumabe foi muito importante em todas as áreas da vida dela, no âmbito físico, emocional e social.
- Bylund S, Kobyletzki LB, Svalstedt M, Svensson A.
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