O papel dos morcegos na raiva humana - Mitos e Verdades

Artigo elaborado em forma de mitos e verdades a respeito do papel dos morcegos na raiva humana.

Em todo o mundo são reconhecidas hoje 1.456 espécies de morcegos, agrupadas em 20 famílias,¹ algumas delas bem diferentes entre si. No Brasil são conhecidas 181 espécies de morcegos, agrupadas em nove famílias.²

O menor morcego do mundo pesa cerca de 3 gramas e tem cerca de 15 centímetros de asas abertas, enquanto o maior pode chegar a pesar 1,6 quilograma e ter até 1,8 metro de asas abertas.³ A cor do pelo dos morcegos pode variar bastante, desde espécies totalmente brancas como algodão, passando por espécies com o pelo todo preto, avermelhado, cinza, amarelado, ou mesmo morcegos com o pelo de duas, três ou até quatro cores diferentes. Algumas espécies podem também ter listras no dorso ou na face, ou ter a pele das asas rajada de duas cores, aumentando ainda mais a diversidade da aparência desses animais.⁴

A grande maioria das pessoas nunca viu um morcego de perto e, quando elas têm contato com esses animais, eles geralmente estão voando rápido durante a noite. Isso faz com se tenha a falsa impressão de que os morcegos são todos iguais. Mas eles não são! (Figura 1)

Apenas três das 1.456 espécies conhecidas de morcegos no mundo se alimentam de sangue.⁵Essas três espécies, chamadas tecnicamente de hematófagas (ou seja, que se alimentam de sangue), estão restritas às Américas, entre o sul do Texas e o norte da Argentina, incluindo todo o Brasil.

Essas três espécies são o morcego vampiro-comum, cujo nome científico é Desmodus rotundus, o morcegovampiro-de-asas-brancas (Diaemus youngi) e o morcego-vampiro-daspernas-peludas (Diphylla ecaudata). Podemos dizer que cerca da metade das espécies conhecidas de morcegos se alimenta apenas de insetos, enquanto as demais espécies se alimentam de frutos, pólen e néctar. Há ainda algumas poucas espécies carnívoras, que comem pequenos animais, como peixes, sapos, pererecas, passarinhos ou pequenos mamíferos.⁴ (Figura 2)

Além das florestas e áreas rurais, algumas espécies de morcegos se adaptaram bem para viver em cidades. Essas espécies se alimentam de insetos atraídos pelas luzes dos postes e casas, por frutos plantados em praças e quintais ou pelo néctar e pólen de flores ornamentais.⁶

Essas espécies também aproveitam uma ampla oferta de abrigos fornecidas pelas cidades: são milhares de telhados, pontes ou outras construções, onde eles passam o dia, protegem-se, acasalam e têm seus filhotes. Por outro lado, nem todas as espécies de morcegos são capazes de viver em cidades e várias não toleram ambientes urbanos, desaparecendo de áreas que foram alteradas pelo homem. Na verdade, morcegos conseguem se distribuir por vários diferentes tipos de ambientes e estão presentes em todos os continentes, exceto nas regiões polares.³

No caso de algumas ilhas remotas, morcegos estão entre os únicos mamíferos que conseguem chegar a esses locais. Como são os únicos mamíferos com real capacidade de voo, os morcegos conseguem cruzar alguns obstáculos, como rios, montanhas e mares, que seriam impossíveis para várias outras espécies de animais.⁷ (Figura 3)

Morcegos são muito mais importantes do que você imagina. Toda noite, quando saem para se alimentar, centenas de espécies e milhões de morcegos insetívoros fazem um controle de populações de insetos, incluindo dezenas de pragas agrícolas e vetores de doenças para humanos e rebanhos. Entre os insetos daninhos dos quais os morcegos se alimentam, estão as mariposas, cujas lagartas atacam o milho, os besouros brocadores da cana e os pulgões e as cigarrinhas, que atacam o arroz.⁸

Você gosta de chocolate?
Então, saiba que os morcegos também se alimentam de insetos que atacam o cacau, cujas sementes são a base do chocolate.⁹ Além disso, as espécies frugívoras e nectarívoras participam da dispersão de sementes e da polinização de mais de 1.000 espécies de plantas.¹⁰

Sabe a tequila, bebida típica do México?
A planta de onde ela é extraída (agave) é polinizada por morcegos beija-flores; sem eles, a produção desse importante destilado pode cair¹¹

•    Um brinde aos morcegos!
•    Os morcegos frugívoros comem os frutos de centenas de espécies de
plantas e, enquanto voam à noite, defecam as sementes – a chamada “chuva de sementes”!
•    São jardineiros alados que transportam sementes de várias espécies nativas para muitos lugares, facilitando e acelerando a recuperação de áreas de foram desmatadas.⁴ E tem uma coisa importante: os morcegos fazem todos esses serviços gratuitamente, sem cobrar nada de nós!

O vírus rábico pode infectar qualquer espécie de mamífero.¹² Esse vírus afeta o sistema nervoso desses animais e é mortal. Morcegos não são imunes ao vírus rá-bico e, caso o contraiam, desenvolvem a doença e vão morrer por causa dela. ^3,13

A transmissão do vírus pode ocorrer no período entre o contágio e a manifestação dos sintomas da doença. Estima-se que a porcentagem de morcegos eventualmente contaminados na natureza é muito baixa, e a maior parte dos indivíduos de uma população é saudável.^3,13

Entretanto, algumas espécies podem ser mais suscetíveis ao contato com o vírus rábico. Esse é o caso dos morcegos vampiros, que, por se alimentarem exclusivamente de sangue, acabam entrando em contato frequente com os fluidos de outros animais.¹⁴

O vírus rábico circula no sistema sanguíneo e alguns tecidos, aloja-se nas glândulas salivares e é transmitido, principalmente, pela saliva de animais contaminados.¹⁴ Para se alimentar, o morcego-vampiro faz um pequeno corte na pele das suas presas e lambe o sangue que escorre desse ferimento. Assim, caso a presa ou esse morcego estejam contaminados, o hábito do morcego-vampiro de lamber o sangue na ferida pode potencializar a transmissão do vírus tanto para ele quanto para o animal do qual está se alimentando.¹⁴

Não há a transmissão simplesmente por proximidade de um animal contaminado. A transmissão do vírus rábico pode ocorrer quando há o contato de fluidos de um indivíduo contaminado (saliva ou sangue, por exemplo) com uma “via aberta” em outro indivíduo, isto é, um corte, ferida ou mucosa, por exemplo.¹⁴

É por essa razão que a mordedura de um animal contaminado é a principal forma de transmissão do vírus rábico.¹⁴ Se você e seu pet estiverem caminhando por um parque, praça ou outro local e um morcego passar voando próximo de você, não há perigo de contaminação. Se você estiver em um local onde há fezes de morcegos, proceda como no caso de fezes de qualquer outro animal: evite o contato direto. O mesmo vale para o seu pet. Se precisar limpar o local, use água corrente com sabão em pó ou outro produto de limpeza

A raiva é uma doença mortal, mas evitável, e existe vacina específica antirrábica. O Brasil adota um protocolo¹⁵ que diz que qualquer contato com morcegos, incluindo desde um simples toque até arranhões ou mordidas, deve ser seguido de tratamento profilático. Primeiro o local de contato deve ser lavado com água limpa e sabão, e, em seguida, deve-se, então, procurar uma unidade de saúde para que a pessoa que teve contato receba a vacina e o soro antirrábicos. O mesmo vale para situações em que há dúvida se houve contato ou não, como, por exemplo, no caso de uma pessoa acordar e encontrar um morcego dentro do mesmo ambiente que ela.¹⁵ Tanto a vacina quanto o soro são extremamente seguros, amplamente testados e gratuitos, e toda pessoa que teve contato direto ou suspeito com morcegos precisa ser vacinada. O Brasil adota esse protocolo preventivo exatamente para evitar a possibilidade de contágio da doença.¹⁵

O país adota ainda campanhas periódicas de vacinação para os animais domésticos, de forma a aumentar ainda mais a segurança da população brasileira. Essas campanhas são exitosas e, graças a elas, a transmissão do vírus rábico no Brasil é considerada muito baixa.

Morcegos são animais silvestres e fazem parte da incrível biodiversidade do planeta Terra. Os fósseis mais antigos conhecidos de morcegos têm cerca de 53 milhões de anos.¹⁶ Ou seja, eles já estavam aqui no planeta bem antes de a espécie humana surgir. Ao longo desses milhões de anos, os morcegos se adaptaram aos diferentes ambientes, tipos de alimentos e abrigos, dando origem a uma rica variedade de espécies. Hoje, entre os mamíferos, os morcegos só perdem em número de espécies para os roedores.^3,17 Mas, infelizmente, os morcegos experimentam uma injusta má reputação, fruto da maneira incorreta como esses animais são retratados nos livros, cinema e televisão.^3,18

Ao longo de décadas de má propaganda, crescemos recebendo informações erradas de que todos os morcegos são vampiros, sujos e perigosos ou dão azar.^3,14 Uma enorme injustiça com esses animais! Não por acaso, as populações de dezenas de espécies de morcegos ao redor do planeta estão diminuindo e temos 200 espécies em 60 países que correm risco de extinção.^3,18

No Brasil há quatro espécies de morcegos reconhecidas oficialmente, pelo Ministério do Meio Ambiente, como ameaçadas de extinção.¹⁹ Ao rever os conceitos errados atribuídos aos morcegos, temos também a chance de rever a maneira como estamos interagindo com a biodiversidade com a qual compartilhamos este planeta. Conviver pacificamente com morcegos e com toda a biodiversidade do planeta Terra é perfeitamente possível e necessário, pois nós, humanos, simplesmente não conseguiríamos viver sem essas outras espécies.

E não é diferente com os morcegos. Os serviços de ecossistema que eles gratuitamente prestam para nós são importantes e valorosos. Mas, além disso, eles são seres vivos, sentem dor e prazer, demonstram cuidado e afeto com seus filhotes e semelhantes, e buscam apenas espaço e alimento para viver entre nós. Por tudo isso, os morcegos merecem nosso respeito e compreensão.