ARTIGO

Vamos falar dos riscos de trombose venosa profunda?

Publicado

Jan/2023

10 min

Nesta entrevista, a Dra. Sofia Nasser (CRM-SP 132393) fala sobre o que é a trombose venosa profunda e por que é preocupante, além dos fatores de risco e quando suspeitar dessa doença.

Dra. Sofia Nasser
CRM-SP 132393

Cirurgiã e ecografista vascular. Membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV).

1) Você poderia nos dizer o que é trombose venosa profunda (TVP) e por que ela pode ser perigosa para a saúde?

Quando falamos em trombose, nos referimos à formação de um coágulo sanguíneo (trombo) no sistema vascular. Se isso ocorre dentro das veias profundas, chamamos de trombose venosa profunda (TVP).1 Geralmente, a TVP afeta as veias profundas da perna (como as veias da panturrilha e veia femoral), mas também pode ocorrer nas veias dos braços, mesentéricas e cerebrais.2,3

A TVP é uma doença comum, com estimativa de que sua incidência anual seja de 80 casos por 100 mil indivíduos (ou seja, 1 novo caso diagnosticado por ano para cada 1.250 pessoas).3

Essa condição é uma das principais causas evitáveis de mortalidade em todo o mundo.4 Para se ter uma ideia, aproximadamente 6% dos pacientes com TVP acabam falecendo.5 Dentre as complicações desta doença, a embolia pulmonar, que ocorre em até um terço dos casos, é o principal contribuinte para a mortalidade.4 Mas por que a embolia pulmonar é assim tão grave? Ela acontece quando os trombos se desprendem das paredes das veias, viajam pela corrente sanguínea, chegam ao coração e, de lá, migram para as artérias pulmonares. Essas artérias vão se ramificando e se tornando menores, até que o trombo causa a interrupção do fluxo sanguíneo naquela área do pulmão. Quando ocorre a embolia pulmonar, em torno de 13% dos pacientes vêm a falecer.5

Um problema que dificulta o diagnóstico e, assim, atrasa o tratamento, é que tanto a TVP quanto a embolia pulmonar podem ser "silenciosas" e, algumas vezes, são detectadas apenas na autópsia.3

Além disso, algumas pessoas podem ter trombose recorrente e síndrome pós-trombótica.3 Essa síndrome cursa com função anormal da microvasculatura, perfusão sanguínea reduzida para o músculo da panturrilha, aumento da permeabilidade vascular e causa prejuízo do retorno venoso.1 Já quanto à recorrência do tromboembolismo venoso, especialmente no ano seguinte à interrupção da anticoagulação, esse risco é de:5

  • cerca de 1 a 3% quando houve um fator de risco transitório importante (como uma cirurgia ou condição que fez com que a pessoa ficasse imobilizada);
  • cerca de 10% quando o evento não foi provocado por um fator de risco conhecido;
  • e mais de 10% quando o evento ocorreu em pacientes com câncer ativo.

Aliás, nos casos em que o tromboembolismo venoso foi espontâneo (sem um fator de risco conhecido), vale a pena investigar se essa pessoa pode ter um câncer oculto, que pode estar presente em até 10% destes pacientes.5

2) Viajar de avião aumenta o risco de trombose venosa profunda?  Se sim, há alguma forma de prevenir? Pode citar sucintamente outros fatores de risco?

Sim. Uma revisão sistemática da literatura mostrou que, apesar do risco de tromboembolismo venoso (que envolve a TVP e embolia pulmonar) ser muito baixo quando o tempo de voo é inferior a 6 horas, ele aumenta progressivamente com voos de maior duração.6

De forma geral, viajantes saudáveis sem fatores de risco para tromboembolismo venoso, além do risco inerente à própria viagem, não precisam de precauções. No entanto, os viajantes com fatores de risco conhecidos apresentam maior chance de um evento trombótico, que está diretamente relacionada à importância de seus fatores de risco (se fortes ou fracos) e também à duração do voo.6

Por exemplo, são considerados fatores de risco:6

  • fracos: repouso no leito por mais de 3 dias, aumento da idade, obesidade, gravidez e varizes;
  • moderados: insuficiência cardíaca congestiva, terapia de reposição hormonal, acidente vascular cerebral, gravidez, pós-parto, tromboembolismo prévio;
  • fortes: fratura de quadril, substituição da articulação, trauma maior, lesão na medula espinhal, uso de contraceptivos orais em mulheres com fatores genéticos (fator V de Leiden e fator V de Leiden homozigoto).

Quanto às medidas profiláticas para viajantes, podemos citar algumas:6

3) Quando devemos suspeitar de trombose venosa profunda?

Muitas vezes, a manifestação clínica da TVP varia com a extensão e localização do trombo.3,4 Quando presentes, os sinais e sintomas da TVP incluem dor unilateral na perna, vermelhidão e inchaço. Uma vez que são bem inespecíficos, a confirmação do diagnóstico é feita através de exames complementares.1

Para iniciar a investigação de uma suspeita de TVP, o primeiro passo é avaliar a probabilidade clínica usando o sistema de pontuação de Wells, que se baseia na apresentação clínica e nos fatores de risco:2

(Adaptado de Albricker ACL et al. Arq Bras Cardiol. 2022;118(4):797–857.7)

Para pacientes com pontuação de 0 a 1, a probabilidade clínica de TVP é baixa, mas para aqueles com 2 ou mais, a probabilidade clínica é alta.2,3

Se a pontuação do paciente for maior ou igual a 2, deve ser realizada uma ultrassonografia doppler venosa, que por ser segura e não invasiva, é a avaliação preferencial para pacientes com suspeita TVP.3,7 Se o resultado for positivo, o diagnóstico de TVP é confirmado e o tratamento deve ser iniciado. Se for negativo, a ultrassonografia doppler deve ser repetida em 3-7 dias (como mostrado na figura abaixo).7

Já para os casos com suspeita de TVP, mas que a pontuação nos critérios de Wells foi menor que 2, pode-se realizar um exame quantitativo de alta sensibilidade do D-dímero, que se negativo tem um alto valor preditivo negativo para tromboembolismo venoso, ou seja, o diagnóstico de TVP pode ser afastado. Por outro lado, por conta de seu baixo valor preditivo positivo, um teste D-dímero quantitativo positivo não modifica a probabilidade pré-teste (clínica) e, portanto, é clinicamente inútil.7

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    Referências

    1. Phillippe HM.
      Overview of venous thromboembolism.
      Am J Manag Care 2017;23(20 Suppl):S376–82.
    2. Kesieme E, Kesieme C, Jebbin N, Irekpita E, Dongo A.
      Deep vein thrombosis: a clinical review.
      J Blood Med 2011;2:59–69.
    3. Waheed SM, Kudaravalli P, Hotwagner DT.
      Deep Vein Thrombosis. In: StatPearls [Internet].
      StatPearls Publishing; 2021.
    4. Stone J, Hangge P, Albadawi H, et al.
      Deep vein thrombosis: pathogenesis, diagnosis, and medical management.
      Cardiovasc Diagn Ther 2017;7(Suppl 3):S276–84.
    5. Kruger PC, Eikelboom JW, Douketis JD, Hankey GJ.
      Deep vein thrombosis: update on diagnosis and management.
      Med J Aust 2019;210(11):516–24.
    6. Philbrick JT, Shumate R, Siadaty MS, Becker DM.
      Air travel and venous thromboembolism: a systematic review.
      J Gen Intern Med 2007;22(1):107–14.
    7. Albricker ACL, Freire CMV, dos Santos SN et al.
      Diretriz Conjunta sobre Tromboembolismo Venoso – 2022 [Joint Guideline on Venous Thromboembolism – 2022].
      Arq Bras Cardiol. 2022;118(4):797–857.