ARTIGO

Citrato de cálcio versus carbonato de cálcio: diferenças e indicações na prática clínica

Publicado

Jan/2022

14 min

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Estudos apontam que o conteúdo de cálcio no carbonato de cálcio é de cerca de 40%, enquanto o do citrato de cálcio fica por volta de 21%. Ou seja, para a mesma necessidade, a quantidade de comprimidos de citrato de cálcio é, em geral, o dobro da de carbonato de cálcio.

O cálcio é o mineral mais abundante no corpo humano. Cerca de 99% dos estoques de cálcio estão contidos no esqueleto.1 O restante está nas células do tecido conjuntivo (0,9%), na circulação sanguínea e no líquido extracelular (0,1%), onde exerce efeitos sobre o sistema cardiovascular e o neuromuscular.2 O requerimento de cálcio necessário à manutenção da saúde esquelética varia ao longo da vida. Durante a adolescência, os requisitos de cálcio são elevados devido às exigências de um esqueleto em rápido crescimento. Entre 20 e 30 anos de idade, menos cálcio é necessário para manter a saúde óssea, uma vez que o turnover ósseo se estabiliza (isto é, a formação e a reabsorção ósseas se tornam equilibradas) e o pico de massa óssea foi alcançado. Os requerimentos de cálcio permanecem estáveis na mulher adulta até a menopausa, quando a taxa de reabsorção óssea acelera, associada à diminuição dos níveis de estrogênio, e a demanda de cálcio aumenta em virtude da menor absorção intestinal combinada ao eventual incremento de perda renal.3,4

A deficiência de vitamina D, muito prevalente em nosso meio, pode influenciar negativamente a absorção de cálcio.5 Durante o envelhecimento ocorrem a diminuição da síntese de vitamina D e a redução de sua conversão em metabólito ativo nos rins, bem como a queda da responsividade periférica e intestinal às ações da vitamina D.6 Fatores dietéticos que limitam a absorção intestinal de cálcio incluem o consumo de ácido oxálico (encontrado no espinafre, no ruibarbo e em alguns outros vegetais verdes), a ingestão de grandes quantidades de grãos que contêm fitatos (como proteína isolada de soja) e, possivelmente, a absorção de taninos (encontrados no chá).4,7

Requerimentos diários de cálcio e necessidade de suplementação

A ingestão adequada, ou requerimento diário – em inglês Dietary Reference Intake (DRI) ou ainda Recommended Dietary Allowance (RDA) – de cálcio foi estabelecida para cada faixa etária pelo Institute of Medicine (IoM) e tem sido utilizada como guia pelas autoridades de saúde.8 (Figura 1) O primeiro passo para otimizar a saúde óssea é garantir uma nutrição adequada, mantendo-se particularmente uma ingestão suficiente de cálcio e níveis adequados de vitamina D.

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A ingestão diária recomendada para mulheres na pós-menopausa é de 1.200 mg de cálcio e de 800 UI de vitamina D.8 A ingestão ideal pode ser obtida pela dieta e/ou por meio de suplementos dietéticos quando a recomendação não pode ser alcançada apenas com dieta.8,9 O cálcio obtido de suplementos parece ter a mesma absorção que o obtido do leite e de seus derivados, principal fonte dietética de cálcio.9 Em nosso meio, o estudo BRAZOS10-12 demonstrou que homens e mulheres de 40 anos de idade ou mais ingerem em média cerca de 400 mg de cálcio por dia, número significativamente inferior ao recomendado para essa faixa etária (de 1.000 a 1.200 mg/dia).8 Em virtude da dificuldade prática de corrigir, a baixa ingestão de cálcio por meio da dieta, a suplementação é, muitas vezes, a alternativa mais viável para muitos pacientes com doença osteometabólica.

Os suplementos de cálcio e sua indicação

Os suplementos de cálcio são amplamente comercializados em todo o mundo e estão prontamente disponíveis sem prescrição médica. Dados do estudo norte-americano NHANES (1999-2000) indicaram que cerca de 10% da população fazia uso de suplementos de cálcio.13

A suplementação de cálcio deve ser considerada no caso dos indivíduos que não alcançam a recomendação dietética diária de cálcio, dos pacientes com osteopenia ou osteoporose, das mulheres na perimenopausa e na pós-menopausa, das mães que amamentam, dos indivíduos em dieta vegetariana estrita, das mulheres amenorreicas, dos idosos institucionalizados e dos pacientes intolerantes à lactose ou que fazem uso crônico de glicocorticoides.1,2 A suplementação também deve ser considerada para os pacientes com doença inflamatória intestinal ou doença celíaca.2 Em adição ao cálcio, suplementos de vitamina D devem ser administrados concomitantemente.3 A suplementação de cálcio é contraindicada para pacientes com hipercalcemia.2,3

Suplementos de cálcio

Os sais mais comumente usados como suplementos de cálcio são o carbonato e o citrato de cálcio.2 Outras formas de cálcio suplementar incluem fosfato, lactato, gluconato e cloreto de cálcio.2 Quando o uso de suplementos de cálcio é recomendado, a biodisponibilidade, a presença de acloridria, o uso de bloqueadores H2 ou de inibidores da bomba de prótons, o número de comprimidos necessários para atingir a dose desejada, o tamanho dos comprimidos, o sal de cálcio e os custos devem ser considerados.2 Muitos pacientes têm dificuldade de engolir comprimidos grandes ou podem não querer ingerir vários comprimidos para conseguir a dose desejada de cálcio.2 Todas essas variáveis devem ser consideradas no momento da prescrição.2

Carbonato de cálcio e citrato de cálcio

Estudos sobre capacidade de absorção demonstram que o conteúdo de cálcio disponível no carbonato de cálcio é de cerca de 40%, enquanto o do citrato de cálcio fica por volta de 21%.2 Na prática clínica, isso implica que, para a mesma necessidade, a quantidade de comprimidos de citrato de cálcio é geralmente o dobro da de carbonato de cálcio.2,3

Entre os idosos em condição de jejum, a biodisponibilidade do carbonato de cálcio se mostrou equivalente à do suco de laranja fortificado com citrato-malato de cálcio e à do leite desnatado.14 Por outro lado, o citrato de cálcio apresentou melhor biodisponibilidade do que o carbonato de cálcio em 25 mulheres na pós-menopausa quando administrado com uma refeição.15 Assim, o citrato de cálcio é mais biodisponível que o carbonato de cálcio quando administrado com alimentos.15 A absorção do carbonato de cálcio depende de um ambiente ácido no estômago, e ele deve ser ministrado após refeições leves, não com alimentos.15 O citrato de cálcio tem absorção similar, com ou sem alimentos, e pode ser ministrado com maior conveniência.15

O citrato de cálcio deve ser o suplemento de escolha entre os pacientes com hipocloridria ou acloridria, condição clínica comumente observada em idosos.16 O carbonato de cálcio foi mal absorvido em jejum entre os pacientes com acloridria, ao passo que a absorção do citrato de cálcio foi significativamente maior.16 Os medicamentos usados para tratar o refluxo gastroesofágico (inibidores da bomba de prótons e bloqueadores H2) podem interferir na absorção de cálcio.2 Como a absorção do carbonato de cálcio requer ambiente ácido, os indivíduos que fazem uso de medicamentos que reduzem a acidez gástrica devem preferencialmente receber suplementos de citrato de cálcio.2,16

A suplementação de carbonato de cálcio pode interferir no risco de litíase renal.17 As mulheres que usaram 1.000 mg/dia de cálcio e 400 UI/dia de vitamina D experimentaram aumento significativo (17%) do risco de litíase renal em comparação com o grupo placebo.17 O citrato, nesse cenário, pode alcalinizar o pH urinário e minimizar o risco de litíase.2

O carbonato de cálcio é a forma mais comum e mais barata de suplemento de cálcio, vantagem a ser considerada no momento da prescrição.2 Estudos demonstram que o carbonato de cálcio é a forma menos dispendiosa de suplementação de cálcio.2,16 O citrato, por sua vez, apresenta menor conteúdo de cálcio.2 A desvantagem decorrente desse conteúdo menor é a necessidade de tomar mais comprimidos ou cápsulas para alcançar a dose equivalente à do carbonato de cálcio.2 A exigência de mais comprimidos pode afetar a adesão ao tratamento.2

Em resumo, o carbonato de cálcio é bem absorvido e tolerado pela maioria dos indivíduos quando tomado após uma refeição leve.2 Os suplementos de carbonato de cálcio são menos dispendiosos, fornecem maior quantidade de cálcio elemento e, por conseguinte, necessitam de menos comprimidos do que outros sais de cálcio.2 O citrato de cálcio deve ser utilizado por indivíduos com acloridria e doença inflamatória intestinal, bem como por pacientes com doenças ou cirurgias disabsortivas ou litíase renal.2 Os suplementos de citrato de cálcio também devem ser recomendados para indivíduos tratados com bloqueadores H2 ou inibidores da bomba de prótons.2 (Tabela 1)

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    Referências

    1. Institue of Medicine – IOM.
      Dietary reference intakes for calcium and vitamin D. 2011 [acesso em 14 abr 2021].
      Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK56070/.

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      Calcium supplementation in clinical practice: a review of forms, doses, and indications.
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      The 2011 report on dietary reference intakes for calcium and vitamin D from the Institute of Medicine: what clinicians need to know.
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