ARTIGO

Pesquisas em curso e novas perspectivas sobre o manejo da microbiota intestinal

Publicado

Mai/2023

10 min

Neste artigo, o Dr. Eduardo André traz os principais highlights da 11 a edição do maior evento mundial sobre microbiota, o Gut Microbiota for Health (GMFH) World Summit, incluindo novas terapias e aspectos nutricionais relacionados ao microbioma em seus distintos mecanismos de ação.

Dr. Eduardo André

CRM-SP: 33682
Clínico geral com especialidade em Gastroenterologia pela Federação Brasileira de Gastroenterologia e em Endoscopia Digestiva pela Sociedade Brasileira de Gastroenterologia, Mestre e Doutor em Gastroenterologia pela FMUSP, Pós-Doutorado em Gastroenterologia pela Universidade de Londres, Reino Unido.

A 11ª edição do  “Gut Microbiota for Health World Summit” (2023) ocorreu em em Praga, República Checa, com a participação da Sociedade Europeia para Neurogastroenterologia e Motilidade (ESNM), da Associação Americana de Gastroenterologia (AGA) e da Sociedade Americana de Neurogastroenterologia e Motilidade (ANMS).1 

Especialistas renomados de diversos países abordaram o papel da microbiota no desenvolvimento de diversas doenças e, principalmente, as novas terapias e aspectos nutricionais relacionados ao microbioma em seus distintos mecanismos de ação, fundamentados em pesquisas científicas.1 A seguir, comentamos esses tópicos com mais detalhes.

Probióticos e mediação imunológica

Várias apresentações abordaram a mediação imunológica exercida por  bactérias comensais tais como:

  • Clostridiales: cepas que estão presentes em indivíduos saudáveis, mas reduzidas em pacientes com câncer colorretal, promovem respostas contra tumores sólidos em um modelo animal dessa neoplasia.2
  • Faecalibacterium prausnitzii: presente em menores níveis em pacientes com doenças inflamatórias intestinais, desempenha um efeito modulatório na resposta imune e pode proteger contra a inflamação intestinal em um modelo animal de colite.3
  • Consórcio de bactérias: em um estudo clínico com recém-nascidos extremamente prematuros (24 - 30 semanas de idade gestacional), foi observado que uma mistura probiótica  acelera a maturação do microbioma a um estado semelhante ao de bebês nascidos a termo, com maior estabilidade e interconectividade entre as espécies, além de estar associada à redução da inflamação intestinal.4

Possíveis benefícios relacionados a bactérias da microbiota intestinal

Doenças hepáticas

Atualmente há uma elevada frequência de diagnósticos dos hepatocarcinomas que, mesmo com avanços terapêuticos alcançados, leva a aproximadamente 800.000 óbitos por ano, sendo a quarta causa de mortalidade por câncer.5 Assim, estudos sobre o papel da disbiose nas doenças hepáticas crônicas são de extrema importância.

O racional para o interesse na disbiose, não só bacteriana mas também fúngica e viral, é que essa alteração da microbiota intestinal pode alterar a imunidade intestinal e a função de barreira dos enterócitos. Com isso, microrganismos patogênicos e seus metabólitos podem atravessar a barreira gastrointestinal e se translocar, através da veia porta, até o fígado.6,7

Durante a Conferência, foram levantados alguns questionamentos para estudos futuros sobre a utilização microbiota, incluindo:1


Metabolismo

Disfunções metabólicas comuns, como sobrepeso e obesidade, diabetes tipo 2 (DM2), hipertensão e dislipidemia (denominados coletivamente "dismetabolismo"), assim como a polifarmácia, são potenciais fatores de confusão na análise de desfechos relacionados à doença cardíaca isquêmica (DCI). Assim, para analisar a constituição do microbioma intestinal de pacientes com DCI, um estudo transversal europeu envolvendo 1.241 participantes analisou também diferentes grupos, incluindo:8 

  • 372 indivíduos com DCI. 
  • 372 controles metabolicamente pareados aos indivíduos com DCI em termos de status de DM2 e índice de massa corporal (IMC).
  • 275 controles saudáveis pareados por dados demográficos, idade e sexo.
  • 222 controles metabolicamente não tratados, ou seja, indivíduos com características da síndrome metabólica e, portanto, com risco aumentado de DCI, mas não recebendo nenhum medicamento hipolipemiante, antidiabético ou anti-hipertensivo. 

O que eles acharam?

Pacientes com DCI apresentam assinaturas características do microbioma intestinal e do metaboloma circulante e urinário. Entretanto, essas assinaturas já estão presentes em indivíduos com fenótipos dismetabólicos, como obesidade e DM2, antes de apresentarem sintomas de DCI.8 

Em conclusão:8

 

Alterações do microbioma e do metaoloma

 

Estágios dismetabológicos

(em pacientes sem diagnóstico de DCI)

Doença cardíaca isquêmica

(manifestações precoces e tardias)

Múltiplas alterações do microbioma e do metaboloma estão presentes nos estágios dismetabólicos (em pacientes sem diagnóstico de DIC) e nas manifestações clínicas precoces e tardias da DIC.

 

Características do microbioma e do metaboloma

 

Diferenciação de indivíduos saudáveis versus

Indivíduos com doença coronariana isquêmica

As características identificadas do microbioma e do metaboloma permitiram diferenciar indivíduos com DIC de indivíduos saudáveis, sugerindo uma relevância fisiopatológica.

 

Várias alterações do microbioma e do metaboloma são modificáveis…

 

 

…e podem ser alvos de futuros experimentos mecanísticos e ensaios clínicos visando a prevenção da dic.

 

Fibras alimentares

Dentre diversos aspectos nutricionais associados ao risco de síndrome metabólica, um estudo mostrou que o consumo dietético de fibras foi inversamente associado ao risco de síndrome metabólica – ou seja, quanto menor o consumo de fibras, maior a associação com a síndrome metabólica. Entretanto, para que esse benefício seja observado, deve haver metabolização das fibras por microrganismos intestinais, como Lachnospiraceae e Ruminococcaceae, com propriedades de degradar carboidratos e produzir substâncias que alcançam a corrente sanguínea e produzem efeitos sistêmicos.1 

Além disso, a importância das fibras alimentares também foi vista para o sucesso da terapia de transplante de microbiota fecal (TMF) de doadores magros para indivíduos obesos e com síndrome metabólica. Nesses pacientes, a suplementação diária de fibra de baixa fermentação após o TMF melhora a sensibilidade à insulina por meio da modulação de certos táxons bacterianos, assim como pela regulação do eixo enteroendócrino.9 

ícone fibras

 

O consumo de fibras e a fermentação delas pela microbiota intestinal pode ser benéfica para pacientes com síndrome metabólica.

 

TMF* para retocolite ulcerativa inespecífica

*transplante de microbiota fecal

A utilização de TMF já é um tratamento estabelecido para enterocolites necrotizantes recorrentes, causadas por Clostridium difficile em pacientes que não respondem ao uso de antibióticos. No encontro, foi discutido o uso de TMF para outras patologias e também as diferentes formas de administração além da convencional infusão por colonoscopia, como a infusão ou liberação duodenal e uso de cápsulas liofilizadas por via oral.10 

A retocolite ulcerativa inespecífica (RCUI) é uma doença com crescente diagnóstico e importantes repercussões clínicas e sociais aos pacientes. Essa doença pode ter resposta favorável ao TMF, com a prerrogativa de disbiose nesses pacientes. Devido às evidências de sua eficácia, em 2020, a Austrália já havia aceito a  recomendação de utilização de TMF na prática clínica para RCUI.1

Em estudo clínico randomizado, controlado por placebo, pacientes com formas leves e moderadas de RCUI foram tratados com TMF por meio de cápsulas liofilizadas administradas duas vezes ao dia durante 48 semanas. Em comparação com o placebo, esse tratamento foi capaz de promover a remissão clínica e histológica, assim como a redução da calprotectina fecal nas semanas 0, 8 e 56 após o início do tratamento.1,11

Foram também discutidas algumas estratégias para melhora no desfecho do tratamento de pacientes RCUI com o TMF, incluindo:1 

Em relação às cepas, a diversidade microbiana dos doadores foi preditiva de respostas dos pacientes com RCUI ao TMF.  Doadores ótimos apresentavam:1 

  • abundância de Ruminococcus e Bacteroides fragilis;
  • escassez de Proteobacteria, Suterella, Streptococci, Akkermansia, Blautia, Parabacteroides e Alistipes.

Além disso, maior benefício foi observado em pacientes mais jovens, com doença de curta duração nas formas leve e moderada, e que apresentavam maior diversidade fecal de micróbios como Clostridioides e Bacteroides, além de maiores concentrações de ácidos graxos de cadeia curta nas fezes.1 

Conclusão e perspectivas futuras

No GMFH World Summit 2023, foi discutida a notória participação da microbiota na saúde. A eubiose é um fator protetor, enquanto que a disbiose pode ser um fator de risco para diversas patologias, como neoplasias, doenças autoimunes, distúrbios neuropsiquiátricos, entre outras. No encontro, foram ressaltados os conhecimentos atuais e pesquisas diversas em curso e perspectivas para utilização da microbiota em terapêuticas, diagnósticos e prognósticos na medicina.1 

Faça download do infográfico com um resumo dos principais pontos discutidos no Gut Microbiota for Health World Summit 2023.

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    Referências

    1. Gut Microbiota for Health World Summit 2023.
      Praga, República Tcheca. 11 e 12 de março de 2023

    2. Montalban-Arques A, Katkeviciute E, Busenhart P, et al.
      Commensal Clostridiales strains mediate effective anti-cancer immune response against solid tumors.
      Cell Host Microbe 2021;29(10):1573–88.e7.

    3. Touch S, Godefroy E, Rolhion N, et al.
      Human CD4+CD8α+ Tregs induced by Faecalibacterium prausnitzii protect against intestinal inflammation.

      JCI Insight [Internet] 2022;7(12). Available from: http://dx.doi.org/10.1172/jci.insight.154722

    4. Samara J, Moossavi S, Alshaikh B, et al.
      Supplementation with a probiotic mixture accelerates gut microbiome maturation and reduces intestinal inflammation in extremely preterm infants.

      Cell Host Microbe 2022;30(5):696–711.e5.

    5. Plaz Torres MC, Bodini G, Furnari M, et al.
      Surveillance for Hepatocellular Carcinoma in Patients with Non-Alcoholic Fatty Liver Disease: Universal or Selective?

      Cancers [Internet] 2020;12(6). Available from: http://dx.doi.org/10.3390/cancers12061422

    6. Zeng S, Schnabl B.
      Roles for the mycobiome in liver disease.
      Liver Int 2022;42(4):729–41.

    7. Nunez N, Derré-Bobillot A, Trainel N, et al.
      The unforeseen intracellular lifestyle of in hepatocytes.
      Gut Microbes 2022;14(1):2058851.

    8. Fromentin S, Forslund SK, Chechi K, et al.
      Microbiome and metabolome features of the cardiometabolic disease spectrum.
      Nat Med 2022;28(2):303–14.

    9. Mocanu V, Zhang Z, Deehan EC, et al.
      Fecal microbial transplantation and fiber supplementation in patients with severe obesity and metabolic syndrome: a randomized double-blind, placebo-controlled phase 2 trial.
      Nat Med 2021;27(7):1272–9.

    10. Waller KMJ, Leong RW, Paramsothy S.
      An update on fecal microbiota transplantation for the treatment of gastrointestinal diseases.
      J Gastroenterol Hepatol 2022;37(2):246–55.

    11. Haifer C, Paramsothy S, Kaakoush NO, et al.
      Lyophilised oral faecal microbiota transplantation for ulcerative colitis (LOTUS): a randomised, double-blind, placebo-controlled trial.
      Lancet Gastroenterol Hepatol 2022;7(2):141–51.